Aviso: Este é um post superpessoal e honesto. Se procura rir um pouco, peço que volte semana que vem.

Eu decidi começar essa coluna por vários motivos. Eu geralmente sou bem aberta sobre minha vida aqui - até demais, para falar a verdade. Esse é um dos motivos pelos quais muitos dos meus leitores amam o blog e inclusive grande parte se sente livre para falar comigo também, então eu não me importo de continuar falando sobre minha vida. Talvez isso seja um problema um dia. Talvez eu consiga ser bem sucedida e este blog acabe cheio de haters dizendo coisas ruins sobre os meus textos mais sinceros e talvez aí eu pare de ser tão honesta sobre meus sentimentos na internet. Mas neste exato momento o blog só é lido por amigos e pessoas que admiram o que eu escrevo, então eu não me importo de me abrir aqui. Eu realmente gosto de ver como eu cresci com este blog nas coisas boas e nas ruins. Eu gosto de poder dividir - com as 5 ou 6 pessoas que entram aqui frequentemente e com as outras 10 que entram aqui de vez em quando - o que eu sinto. Ainda assim, existem coisas sobre as quais eu nunca falo, porque poderia ser um problema falar muito sobre esse lado de mim. Com essa coluna, eu quero quebrar isso. Quero falar de coisas que eu nunca falo. Não quero que ninguém me console ou fique sem palavras tentando me ajudar. Só quero desabafar, mesmo que ninguém acabe lendo isso tudo. Então aqui está: meu nome é Giulia. Eu completei 17 anos há algumas semanas. Um ano e uma semana atrás - e eu uso todas as palavras - minha mãe morreu.

É estranho como você aprende a amar toda foto de quem não está por perto.
Uma das primeiras coisas que eu pensei quando eu descobri que tinha perdido minha mãe foi que aquilo não era real. Clichê - novidade: todas as partes do luto são clichê -, mas verdade. Eu pensei que aquilo não podia ser possível, porque eu não era o tipo de pessoa que perdia a mãe. Eu era "dramática demais" para ter um problema tão sério. Outro clichê: parece ser o tipo de coisa que acontece com os outros, não com você. Por outro lado, eu sempre senti que "estava pronta" para lidar com a morte. Bem, não de verdade. Eu simplesmente achei que já sabia que perderia todo mundo em algum momento. Que estava mais consciente disso que o resto do mundo e que não reagiria do mesmo jeito. Que a ideia de que tudo tem um fim estava tão incutida em mim que mesmo que ela fosse devastadora, ela não iria me causar a mesma coisa que causa nos outros. (Sim, eu sempre me senti muito mórbida). A novidade me surpreendeu: nós nunca realmente sabemos como a morte nos afetará.
As pessoas que amamos não são vistas por nós como corpos que terão um fim. São vistas como seres abstratos que durarão para sempre. Mesmo que não pareça, é algo completamente inconsciente. Perder alguém não é perder um corpo. É perder uma presença. Estou fazendo algum sentido? A questão é: por mais que eu soubesse que minha mãe não duraria para sempre, minha mente acreditava que eu sempre teria o cafuné dela. Eu inconscientemente tomei nossas orações antes de dormir como algo inerente a vida, que sempre estaria lá. A risada dela, a voz dela, a letra dela que eu sempre quis imitar. Eu nunca considerei, nem por um instante, que eu isso deixaria de existir. Todas estas coisas estavam lá desde a primeira vez que eu respirei. E foi exatamente isso que eu perdi.
De volta ao dia 10 de abril de 2014, depois do primeiro choque, eu estabeleci algumas regras para mim mesma: eu não me prenderia a arrependimentos, eu tinha o direito de passar por aquele momento da forma que eu quisesse e, mais importante, eu sempre me lembraria de como me senti naquele dia quando tivesse qualquer outro tipo de problema. Essas regras muitas vezes foram ignoradas por mim, mas naquele momento se eu não tivesse me apegado a elas, talvez não tivesse enfrentado aquilo tudo tão ferozmente. O engraçado era que eu ouvia o tempo todo que "a ficha ainda não caiu". Todo mundo me dizia isso, o tempo todo. Eu ouvi tanto isso que passei dias esperando por uma dor maior do que eu já estava sentindo. Eu achava que em algum momento "a ficha iria cair" e eu perceberia que não a veria mais. Mas faz um ano e a ficha ainda não caiu. Parte de mim ainda acredita que vai ouvir a voz dela a qualquer momento. Me deixa em pânico o fato de que eu não lembro da voz dela com tanta clareza quanto gostaria. Eu sempre me vejo quase pedindo um vídeo dela a alguém da família (os meus estão no hd do meu outro computador, perdido em meio a coisas que eu nem sei se existem mais), mas perco a coragem por achar que à simples menção vai trazer lágrimas e situações desconfortáveis.
Eu não exatamente sinto vontade de chorar ou uma dor no peito quando ouço o nome dela. É mais como uma grande onda de amor seguida por uma sensação de perda gigantesca. Não me faz chorar sempre, porque o amor é forte o suficiente (sim, eu deliberadamente citei essa música - ninguém consegue entender o quanto a letra dela significa para mim). Eu gosto quando pessoas começam a falar sobre ela, e contar histórias. Amo quando dizem que eu pareço com ela. O difícil é só lidar com todo o resto. Não gosto de escrever sobre ela, porque lembro que ela nunca lerá meu primeiro livro. Não gosto quando começam a chorar quando falam dela, porque eu não sei como ajudar, já que a dor também é minha. Eu me convenci de que em meu luto, deveria me importar mais comigo. Isso muitas vezes é ruim. Às vezes é difícil lembrar que a outra pessoa também está de luto por ela. Então eu me esforço para não ser egoísta. Semana passada, no dia do aniversário de morte, tudo que eu mais queria era berrar que todo mundo calasse a boca e me esconder debaixo dos lençóis pelo resto do dia inteiro. Não fiz isso, e na verdade, passei grande parte do dia ajudando uma amiga. Meio que me arrependo disso.
Toda essa coisa de tentar lidar com o luto dos outros enquanto lido com o meu ainda é complicado demais para mim. Eu realmente sinto que apenas minha irmã me entende. Apenas nós temos o mesmo conceito sobre nossa mãe. E uma das coisas que eu percebi é quando a gente morre, deixamos de ser uma pessoa e nos tornamos um conceito. O que nós queremos não nos pertence mais. O que nós gostamos agora são repassados por outras pessoas. Todas as nossas memórias deixam de possuir nosso ponto de vista e passam a ser contados por outros, que viram as coisas de uma forma diferente. Eu perdi as contas de quantas vezes a frase "sua mãe gostaria que você fizesse isso" durante este último ano. Gostaria? Gostaria mesmo? E se ela tivesse em um dia ruim e quisesse que eu fizesse de um jeito diferente? E se ela ouvisse meu ponto de vista e decidisse que daquela vez eu poderia fazer de um jeito diferente? Você não tem como saber não é? Porque quando fala, não fala por ela, fala baseado no conceito que formou sobre quem ela era. E eu não falo como se soubesse mais sobre ela que o resto do mundo. Falo lembrando que a única pessoa que pode dizer o que ela quereria não está aqui para fazer isso.
Foi um ano bem louco. Eu não tinha como deduzir no início de 2014 que minha vida daria uma guinada tão louca. Perdi tudo no que me baseava, todas as coisas que havia constituído minha vida. Precisei deixar de lado alguns dos meus sonhos, porque as novas pessoas responsáveis por mim não podem moldar sua vida ao meu entorno. Precisei crescer de uma hora para outra. Amadureci mais entre os 16 anos e 2 meses e os 17 do que amadureci entre os 9 e os 16. Arrumei um jeito de vencer a depressão no processo, me encontrar e criar mais confiança em mim mesma. Isso fez com que eu ouvisse que parecia que eu não me importei com a morte da minha mãe - uma das coisas mais dolorosas que eu já ouvi, vinda de alguém que deveria me suportar emocionalmente -, mas agora eu simplesmente já superei toda essa porcaria. Porque só eu sei o que eu senti e como me afetou. Só eu tive meus pesadelos, minhas noites de insonia, só eu lembro do som do desfibrilador além daquela porta. Mas eu preferir lutar contra isso tudo e dar o melhor de mim para ter a vida que minha mãe desejava que eu tivesse. E eu realmente acho que estou indo muito bem nisso.
G.

P.S.: Eu realmente sinto muito pelos 15 dias sem post e o atraso de uma semana que esse aqui teve. Eu poderia dizer que foi muito difícil escrever isso tudo, mas a verdade é que muito disso foi culpa minha. Foi uma semana de procrastinação ao extremo.