Quando eu tinha mais ou menos 6 anos, eu era desesperada por formas de conseguir dinheiro. Eu precisava de doce, de adesivos e de uma boa desculpa para sair de casa, então, um dia, fiz alguns desenhos e fiquei no portão de casa tentando vender pra quem passava. Tentava atrair a ajuda dos adultos de casa, porque sabia que ninguém levaria a sério uma criança de 6 anos vendendo desenhos (e eu nunca tive talento para desenhar), mas é claro que ninguém me ajudava, porque ninguém leva a sério uma criança de 6 anos vendendo desenhos. Fiquei tão brava com a situação inteira que prometi nunca me esquecer de como me sentia naquele momento e que mesmo adulta eu nunca acharia as ideias de uma criança bobas e sempre a ajudaria. Essa promessa nunca saiu da minha cabeça em 12 anos especialmente porque em várias outras situações meus planos e meus sentimentos foram considerados bobos e eu me senti subestimada. Infelizmente, eu já quebrei essa promessa. Chego a ser uma das que considera boba a ideia que tive na época, traindo por completo a Giulia de 6 anos com vontade comprar adesivos na vendinha. Mas eu tenho um ponto de vista diferente agora, eu consigo entender os adultos e porque eles agem como se crianças fossem as criaturas mais bobas do mundo, que não merecem atenção: Eles estão morrendo de inveja.
Não é que eu despreze a Giulia de 6 anos, eu só morro de inveja de todas as coisas que ela tinha e que eu já perdi. Queria simplesmente gritar com ela, falando sobre toda sorte que ela tem, sobre tudo que ela deveria estar aproveitando e não estava. Se ela soubesse que ainda iria acontecer na vida dela, isso a impediria de dormir por dias, de pura ansiedade. Aquela garota não sabia de nada e estava louca para descobrir. Ela via um mundo como um lugar mágico que precisava ser explorado, mas seu mundo era menor do que ela pensava. Seu livro preferido era sobre um garoto que viajava centenas de quilômetros andando em linha reta e tudo que ela pensava era em como era impossível viajar andando sempre em linha reta a partir da praça em que brincava. Aquela garota tinha tanto tempo e tantas oportunidades. Ela ainda não sabia quem era e não era pressionada a decidir. O futuro era algo obscuro. 2016 poderia ser dali a mil anos. Ela ainda podia correr para o colo da mãe e fazer uma cena quando algo a machucava. Suas lágrimas poderiam sumir com um doce ou com um cafuné. Ela não gostava, porque já se considerava muito grande, mas naquela época não tinha problema algum cair no choro ao tropeçar e cair de cara no chão.
A Giulia de 6 anos não sabia sobre perda. Morte era o mais vago dos conceitos, talvez junto apenas da ideia do vestibular. Ela desejava morrer em um ônibus junto com todas as pessoas que amava, assim ninguém sofreria por perder ela e nem ela por perder ninguém. Ela não achava que precisava saber de muito para sobreviver. Tinha pessoas para cuidar dela e proteger os pesadelos e pensamentos ruins. E quando esses pensamentos ruins se transformassem em uma espécie monstro embaixo da cama, ela teria um porto seguro. Alguém para acender a luz e mostrar que todo mundo tem pensamentos ruins e que eles fazem parte de crescer. Ela não precisava aprender como agir e a fazer coisas. Ela não precisava saber como se defender e se cuidar. Ela tinha alguém para fazer tudo isso por ela. Ela tinha uma mãe. Ela tinha todo amor, sabedoria e proteção do mundo concentrados em uma pessoa só. 

"Eu sou uma sabe tudo.
Eu não sei o suficiente
."
Ela acreditava em amizade no seu sentido mais clichê e hollywoodiano e considerava qualquer pessoa que se aproximasse dela sua melhor amiga por tempo indeterminado. Ela se considerava a pessoa mais bonita no mundo - não por egocentrismo, mas porque acreditava que todo mundo deveria considerar a si próprio a pessoa mais bonita do mundo. Ela não entendia o peso das próprias palavras e ficava chateada quando levava bronca por algo que disse inocentemente. Ela era influenciável, mas ela ainda tinha muito que aprender com as pessoas e se permitir se perder nelas a ensinaria muita coisa sobre si mesma. Ela não tinha medo do escuro, porque conhecia a própria casa de cabeça pra baixo e porque seus pensamentos ainda não tinham ficado tão grandes que a sufocavam. Ela era teimosa e firme em suas crenças, algo que perderia aos poucos, quanto mais o mundo mudasse ao seu redor. E ela não poderia imaginar, nem nos sonhos mais loucos, o quanto o mundo mudaria. Ela ainda não tinha amigos imaginários, porque passava o tempo que não estava com os amigos pensando no que faria no dia seguinte. Quando ela ficava de castigo, era obrigada a dormir! Dormir costumava ser um castigo!
Por isso tudo, eu me roo de inveja dela. Tenho inveja dela por todas as primeiras chances e as primeiras experiências. Tenho inveja de todos os livros que ela ainda não leu, todas as músicas que ela ainda não ouviu, filmes que ainda não assistiu, obsessões que ainda não desenvolveu. Todo conhecimento que ela adquiriria nos 12 anos seguintes. Todas as viagens! Meu Deus, ela ainda não conhecia o Rio de Janeiro, a cidade que ela aprenderia a amar e adotaria no coração. Ela ainda tinha muito que viver e muitas chances pela frente - e ela não tinha que pensar nas consequências, porque ela ainda não sabia nada sobre consequências. Ela não se sentia perdendo tempo, porque ela tinha 6 anos e todo o tempo do mundo.
E eu também sinto raiva. Um ressentimento mesquinho de uma mania infantil. Ela não sabia e provavelmente teria um discurso na ponta da língua caso recebesse uma bronca a respeito, mas ela estava cometendo um dos maiores erros de sua vida aos 6 anos de idade: Ela desejava crescer e ser independente. Desejava mandar no próprio nariz e fazia promessas para quando isso acontecesse. Ela estava apenas desejando o que a maioria das crianças deseja pelo menos uma vez, mas não sabia o que estava jogando fora no processo. Ela estava jogando fora abrigos aos quais eu queria poder recorrer agora, se livrando de uma proteção que eu queria ainda ter, abrindo mão de direitos que pertencem só as crianças e que quanto mais você cresce, mais vontade você tem de protestar para tê-los de volta. Não era culpa dela e ainda assim eu fico tão brava em pensar em como ela quis tão desesperadamente pular fases e só percebeu o erro que estava cometendo 10 anos depois.
Eu sei que esse texto faria a Giulia de 6 anos chorar tanto quanto fez a de 18, então quero deixar claro para a garotinha que eu fui, que ainda não tinha perdido o que eu perdi: Eu também tenho orgulho de você. Você nem imagina todas as coisas que você conquistou nos últimos 12 anos. Você aprendeu muito e soube usar cada pedaço de conhecimento que você agarrou com tanta vontade. E você vai saber o que fazer quando você enfrentar a perda. Em alguns dias a dor vai cortar você e vai parecer que ela só vai piorar quanto mais você crescer, mas você vai viver, pelo dia seguinte e pelo outro. Porque você aprendeu com ela. E com você mesma. Não subestime você. Você ainda é a pessoa mais bonita do mundo. Só para de pensar tanto no futuro. O presente pode ser muito incrível também.
G.

P.S.: Eu sei que esse post foi uma bagunça emocional, mas ultimamente tudo que eu tenho sido é uma bagunça emocional ou uma montanha de estresse. E - eu posso estar errada, mas - eu acho que vocês já cansaram de me ouvir reclamando das coisas.