Ela nasceu ao fim de 1884, na noite mais escura do ano, noite de lua nova. Estava tão frio que não demorou muito para que a Morte em pessoa viesse buscá-la, mas graças a um pedido desesperado, foi forçada a mandá-la de volta.
Naomi era simplesmente poderosa demais. Ela teria sua própria parte em uma história importante. E que mudaria tudo de uma vez por todas.

As Crônicas de Kat:
Sophie’s Choice

Graz, Áustria
25 de maio de 1885
Diário Kat
Eu sou muito boa em protelar. Nem sempre, mas a maioria das vezes. Levou quase cinco anos até algumas das mais poderosas e talentosas vampiras do mundo perceberem que eu estava apenas as enrolando, então acredito que mereça crédito.
- Então, podemos falar sobre o que somos agora? – Sophie disse depois de reunir todas sutilmente na cozinha.
Nós estamos na cabana onde minha mãe e eu fomos sacrificadas. Não posso chamar esse lugar de lar, mas como última bruxa Petry esse lugar pertence a mim. Por isso eu passei os últimos quatro anos, limpando e organizando todo o lugar com a ajuda de Ellie, Sophie e Anika.
Agora nós temos quatro quartos limpos e arejados, uma cozinha arrumada e espaçosa, uma sala aberta – todos os móveis da sala foram queimados -, e uma biblioteca que nós chamamos de “Sala Secreta” que além dos grimórios, livros e diários possui todos os elementos de rituais das bruxas da família.
Nós também queimamos todos os itens pessoais das bruxas que já viveram aqui, principalmente os da minha mãe. A casinha de dejetos também foi queimada e uma parede inteira teve que ser destruída e reconstruída por causa dos corpos presos lá dentro. Levou três meses para construirmos um jardim na parte da frente, onde as bruxas geralmente eram enterradas. E para terminar contratamos – bem, Sophie contratou – pessoas para pintar toda a casa, exceto a Sala Secreta.
Também achamos dinheiro suficiente para fazer roupas novas na cidade, e comprar sapatos novos também. Sophie se envolveu com as pessoas da cidade, mas só Ellie tem coragem de sair para caçar, enquanto eu me enterro na melancolia de não poder transformar ninguém.
- O que você quer dizer? – Perguntei.
Sophie estava usando um penhoar, sentada a janela de uma forma nada recatada. Não que isso fizesse diferença para mim ou para Ellie, que estamos com ela há um bom tempo, mas Anika ainda tem muitos resquícios da sua vida humana na corte austro-húngara e fazia caretas sempre que ela deixava mostrar o que não devia – como o joelho.
- Já faz quase 5 anos que Pierre foi embora, Anika está aqui e a maldição de Kat se transformou em algo muito mais sério. E aqui estamos nós sem saber se pertencemos à Morte ou ao Inferno. Terminamos tudo e o que eu quero fazer é ir embora dessa maldita cabana e transformar algumas vampiras!
Eu e Anika falamos ao mesmo tempo:
- Transformar algumas vampiras? – Perguntei franzindo a testa.
- Eu pensei que você gostasse da cidade! – Anika disse, chocada.
- Não, Annie, eu não gosto. Eu passei os últimos anos tentando, com muita força, mas eu simplesmente não nasci para Graz.
- Você cresceu em uma cidade que é metade do tamanho dessa aqui. – Anika disse cruzando os braços e se aproximando de Ellie, inconscientemente.
- E uma das partes boas em ter virado vampira é que eu não vou ter que passar o resto da vida em um buraco como esse. Quer dizer, só faz 12 anos que eu fui transformada, um dia eu posso até me estabelecer em uma cidade pequena e ter uma vida imortal tranquila, mas eu quero garantir que eu vou ter matado pelo menos 50 pessoas de cada nacionalidade antes de pensar no assunto.
Como eu dei uma risada que saiu pelo nariz, Sophie pareceu se lembrar da minha pergunta.
- E é Kat, eu quero transformar vampiras. Ellie tem uma, porque eu não posso ter?
- Ei, Anika é vampira de Kat! – Ellie protestou, levantando os braços.
Mas Anika está parada atrás dela, com as mãos em seus ombros, como se fosse uma criança pedindo proteção.
- Ah, por favor. – Sophie diz cruzando as pernas o que faz Anika gemer - Anika é quase sua bonequinha já que seu filho foi embora.
- Eu transformei Anika para Kat!
- O sangue nela ainda é o seu, a morte dela ainda veio pelas suas mãos e a fidelidade dela ainda é sua. E mais importante uma das últimas lembranças dela é o sangue de Kat a machucando, então o último eco de sentimento não foi exatamente um sentimento positivo sobre Kat. O que nos leva ao principal: a maldição.
- Maldição que só começou porque você virou vampira. – Ellie disse, fria.
- Eu não pedi para morrer e muito menos para ser batizada, então não jogue isso contra mim. Então... - Ela fez uma pausa dramática e olhou bem para mim - Todas nós sabemos que Ellie deve morrer. O que estamos esperando?
Anika apertou o ombro de Ellie e eu cruzei uma perna sobre a outra, esperando Ellie explodir. Mas a vampira simplesmente se virou para mim e fixou os olhos azul gelo nos meus:
- É, Kat, o que estamos esperando?
- Não vou matar você, Ellie.
Anika suspirou, aliviada e Ellie ergueu a sobrancelha.
- E vai fazer o que? Passar a vida toda sendo meio vampira?
- Eu vou achar outra forma, mas eu não vou dar à Morte o que ela quer outra vez. E muito menos fazer o que Pierre mandou, porque ele mandou.
Sophie balançou a cabeça, fazendo o penhoar se abrir, mas os cachos caíram sobre o decote.
- De que diabos você está falando?
- Eu sei que vocês pensaram sobre tudo durante esse tempo, mas não tanto quando eu. Passei últimos dias na Sala Secreta, lendo a história de algumas das minhas antepassadas. Decidi que não vou dar ao Inferno e nem à Morte o que eles querem, não interessa a parte de mim que eu tenha de sacrificar.
Ellie não se permite mostrar o que estava pensando.
- E quanto a tudo que você prometeu a Deyah?
- Eu vou cumprir, só vai levar mais tempo do que o esperado. Eu vou fazer do meu jeito, sem precisar de ajuda da Morte.
- O maior defeito de uma bruxa é o orgulho. – Anika disse ainda com a mão sobre o ombro de Ellie.
Sophie riu.
- Você não era uma boa bruxa, era?
Ela deu de ombros.
- Mamãe nunca me deixou praticar tanto quanto eu queria.
- Você tem tanto a aprender, querida. Tanto.

Maebashi, Japão
1º de julho
- Qual era o último nome da mãe?
- Ela nunca disse. Mas não era daqui, isso eu posso garantir.
O bebê magrelo apenas olhava em volta, como se a conversa não tivesse nada a ver com ela.
- E o primeiro nome?
- Juliette. Pelo menos foi o que ela disse. Mas nós não podemos dar esse nome ao bebê! Já é um nome desgraçado por si só!
- Você quer vender essa criança e mal sabe quem ela é. Ela é desgraçada.
- Apenas escolha outro nome.
- Certo. Naomi, então. Quer dizer aquela que agrada. O dinheiro vai me agradar e muito.
- Bem, eu gosto desse.
- Ótimo. Então você vai vendê-la ou não?
A recém-nomeada Naomi foi passada à mulher de vestido colorido que a criou pelos 15 anos seguintes.

Graz
28 de agosto de 1900
Diário de Kat
Já faz 20 anos desde que Anika foi transformada, e de alguma forma Sophie consegue a encher todos os dias sobre não ser uma vampira completa.
- Eu sei que você está dando o seu melhor, mas eu só estou dizendo que Deyah não ficaria orgulhosa. – Sophie disse, um dia do jardim, enquanto eu e Ellie limpávamos a cozinha.
Anika realmente soou como uma criança.
- Eu nem conhecia Deyah! Ela era bisavó da minha tetratataravó e uma espécie de deusa para vocês, mas ela não significa nada para mim.
- Ótimo! Então você não está deixando Ellie orgulhosa.
- Não a escute Anika! – Ellie gritou da cozinha, escondendo uma risadinha.
- Então não deixa Kat orgulhosa!
- SOPHIE! – Gritei, do mesmo jeito.
- Ah, por favor, já faz 20 anos. 20 anos! E ela não matou ninguém! Ela só bebe o necessário. O necessário! Você não pode estar orgulhosa disso.
- Isso só tem 12 anos!
- Não, Anika, Isso aí tem 32. E idade não é desculpa, Kat foi transformada aos 10!
- É, mas eu não sou Kat. Nem Deyah. Eu sou Anika! Anika!
- Eu sei, sinto muito por você.
Então Anika saiu correndo e Sophie se jogou na grama explodindo em uma risada que fez alguns pássaros saírem voando da floresta.
- Você é pior que a minha mãe. – Eu disse da soleira da porta. Ao lado de Ellie.
- Eu sei... – Sophie diz, deitada, ainda com os braços abertos – Mas eu só faço isso porque a amo.
- Ewwwwwwwwww – Exclamamos ao mesmo tempo, como um código secreto.
Eu parei, e troquei o olhar entre as duas.
- Eu não gosto muito disso. Nós estamos excluindo Anika. Ela é uma parte do Exército também.
- É, mas ela é uma vampira de Ellie. – Sophie disse tranquila - Se Ellie criar um grupo de vampiras só para ela, ela vai fazer parte do grupo perfeitamente.
Ellie revirou os olhos.
- Eu a criei para Kat...
- Blá, blá, blá. Pode ter transformado ela para Kat, mas ela foi criada por você, para você. Você é a única que importa para ela, Ellie.
- Ela está certa. – Eu disse, olhando para Ellie – Ela é sua vampira.
Ellie virou para mim.
- Você acha que substitui Pierre por ela?
Suspirei.
- Você sempre esteve cuidando de alguém. Passou a vida cuidando das crianças do orfanato e quando morreu tinha Pierre. Quando Pierre foi embora, você tinha uma garotinha que precisava de cuidados. Lembra aquela condição vampírica que eu te disse antes de transformar Sophie?
Sophie se sentou na grama.
- Que condição?
- Quando uma vampira se obceca por alguém. - Ellie disse a respondendo. Voltou a olhar para mim - O que tem?
- Tem que existem outras condições e ligação quase maternal é uma delas. Anika teve uma mãe tão obsessiva quanto a minha e a de Sophie, mas quando virou vampira teve com você a chance de um pouquinho de amor.
Sophie estava bem na nossa frente de repente.
- Mas não é de verdade né? É só uma condição. Quer dizer, ela não tem alma, não pode sentir e esse tipo de coisa.
Deixei meu olhar cair sobre meus pés.
- Na verdade... Tem uma coisa que eu não contei para vocês.
Eu podia jurar que elas se colocaram em posição de luta, uma de cada lado de mim, ao ouvir isso.
- Em uma das minhas longas conversas com a Morte, ela me contou que, bem... Vampiros tem alma.
- COMO É??!! – Elas realmente gritaram assim, com todas essas exclamações.
- Ela disse que se não passamos por ela não estamos mortas.
- E a parte da alma? – Ellie perguntou, os olhos faiscando.
- Quando se morre, o corpo se separa da alma de uma vez por todas. Toda consciência de vida se vai. Isso não acontece a nós vampiras. Nós pensamos sozinhas, nós temos ideias e independência.
Sophie grunhiu.
- Então nós não estamos mortas, nem estamos vivas. Como você explica aquele momento em que nosso coração para e nossa respiração desaparece?
- Bem, eu tenho uma teoria para isso. Eu acho que esse é o momento em que a alma da futura vampira vai para o Inferno.
Elas trocaram olhares.
- Temos uma alma ou não?
- Temos. Uma pensante, comunicativa e sedenta. Eu finalmente entendi porque vampiros são tão desesperados por vida e por destruir vidas.
- Estamos procurando por nossa alma. – Ellie disse, entendendo.
Sophie tentou assimilar tudo.
- Então basicamente o Inferno prende nossas almas e nos força a fazer o trabalho sujo para eles, por toda eternidade.
- E foi assim que criaram o primeiro vampiro. Um prisioneiro. Depois perceberam que podiam fazer mais vampiros simplesmente oferecendo a vida eterna, melhorando muito a propaganda e aumentando o número de adeptos.
Elas trocaram outro olhar comunicativo. Então cada uma me pegou por um braço e me levantou quebrando os dois braços imediatamente. Eu gritei de dor e tentei me debater, mas Sophie prendeu meu rosto enquanto Ellie perguntou.
- Há quanto tempo você sabe disso?
- Desde... a minha primeira... conversa... com a Morte... – Disse, ofegando do a dor.
- 25 anos, Katerina! Já faz 25 anos!
Berrei quando Sophie me ergueu um pouco mais alto. Era como uma lembrança retumbante de que elas poderiam me matar quando quisessem e de que qualquer fidelidade é tão frágil quanto vidro.
- Eu não queria contar para vocês. Mudaria tudo em que vocês acreditavam. Tudo que eu disse para vocês.
- Então você escondeu tudo de nós para que pudesse controlar as duas como o Inferno faz? – Sophie disse, agora apertando meu rosto.
- Não, eu não quero controlar ninguém. Eu só não queria que se sentissem traídas...
- Esconder tudo não ajudou muita coisa. 25 anos é a maior parte do tempo que eu estou com você, Kat. É a maior parte que até Ellie está. E você escondeu algo assim de nós duas como se não fosse nada.
Eu já chorava de dor, mas as duas continuavam me puxando.
- Eu não vou fazer isso de novo. Por favor, me soltem.
Sophie soltou, mas Ellie puxou o braço esquerdo ainda mais para cima. Ficar pendurada por um braço só piora muito. Eu estava prestes a desmaiar.
- Uma das coisas que você sempre diz é que não vai agir como a sua mãe. Você escondeu metade da história de nós por todo esse tempo, e continuou nos usando como seu maldito trunfo. Você já estava agindo como a sua mãe. Nós somos um grupo, um Exército, uma família. Você não tem segredos com nenhuma de nós duas, e nem com Anika. Se você ousar esconder algo assim de nós outra vez, eu não vou hesitar em puxar você assim pela cabeça, até você não passar de uma mera alma no Inferno. Entendeu?
 - Sim. – Gritei, antes que Ellie me soltasse e eu caísse de costas no chão com os braços ardendo.
Ouvi Sophie dizer.
- Ellie...
Ellie balançou a cabeça.
- Eu sei, já volto.
Eu permaneci deitada no chão, metade do corpo dentro da casa, metade na grama no jardim da frente. Sophie olhava para mim, não demonstrando coisa alguma. Eu também não sentia nada, apenas dor nos dois braços. Sabia que elas tinham razão em quase me matar, eu faria o mesmo comigo.
Ellie demorou para voltar e eu já estava ficando irritada. Meus braços não doíam mais, mas se me mexesse iam doer.
Finalmente ouvimos passos na floresta. Mas não era Ellie. Era Anika, de volta com nada mais nada menos que duas vampiras. Tentei me sentar para ver com clareza, mas a dor foi tanta que desmaiei, em tempo só de conseguir ouvir Sophie dizer:
- L'Autre-chienne. (Frase ambígua, quer dizer “garota austríaca” e “a outra cachorra” e pelido de Maria Antonieta na Corte Francesa.)

Maebashi
28 de agosto de 1900
Diário de Naomi (Escrito em inglês)
Aparentemente eu sou uma bruxa.
Como eu descobri? Essa mulher linda apareceu aqui, com um sorriso no rosto e um pedido de perdão pela inconveniência em uma noite tão linda.
Em seguida me disse que era a Morte, que tinha pouco tempo e me contou que eu sou uma bruxa. Fez-me testar meus poderes e disse que em breve eu precisaria deixar o Japão e em um barco ir para a Áustria, onde quer que seja isso e procurar por Kat.
E nas últimas semanas, várias semanas consecutivas, milhares de assim chamados espíritos da natureza vieram fazer uma visitinha e confirmar para mim que eu realmente sou uma bruxa e de um clã muito antigo, aliás. E por assim ser eu devo um servicinho à Morte.
É, porque isso é tudo que uma garota de 15 anos precisa ouvir.

Graz
29 de agosto
Diário de Kat
Tudo está bem na Terra das Vampiras.
- Eu nunca, NUNCA me senti tão bem por ver um corpo na minha vida. – Eu disse, me levantando depois que Ellie me acordou com o braço sangrento de um homem qualquer.
Ela pegou o corpo sobre mim e jogou sobre o jardim, no meio da floresta.
- É isso que vocês fazem? Jogam corpos na floresta?
- Nojento. Vocês não têm medo dos espíritos deles voltarem?
- Os espíritos não voltam, menina. No máximo os corpos.
Quando reconheci a voz de Anika, eu me levantei, finalmente. Meu vestido branco estava completamente arruinado e meus recém curados braços estavam sujos de sangue.
- Fratura aberta, sério? – Perguntei, precisando de um pouco de vingança, olhando para Sophie e Ellie - Amadoras.
- Não me provoque. – Ellie rosnou.
Sorri e olhei para as vampirinhas ao lado de Anika.
- Já sabemos a história aqui?
- Na verdade, estávamos esperando você acorda – Sophie disse, levantando - Porque alguns de nós realmente achamos importante compartilhar as notícias com todas do grupo.
- Supere, Sophie. Eu perguntei a Anika.
Anika deu um passo a frente, deixando as duas gêmeas atrás. Só então eu percebi que eram gêmeas, perfeitamente iguais. Uma com um vestido azul e cabelos soltos e outra com um vestido rosa e um rabo de cavalo meio torto, ambas com sapatos de couro escuro e meias no meio da canela.
- Elas são órfãs, estavam fugindo do circo que está em Graz. Nós conversamos e elas quiseram ser transformadas.
- E agora até ela tem vampiras... – Sophie resmungou, atrás de mim.
- Sophie... – Disse, com um sinal com as mãos a fazendo parar de falar. Olhei para as gêmeas – Qual o nome de vocês?
- Valentina. – Disse a de rosa.
- Miranda. – Disse a de azul.
- E quantos anos vocês têm?
- Onze. – Elas disseram ao mesmo tempo.
- Claro que são mais novas que Anika. – Sophie disse, batendo o pé no chão.
- Eu as transformei para Kat, Sophie. – Anika reclamou, começando a soar como uma criança outra vez.
- Você já está falando e agindo como se fosse Ellie.
- Sophie! – Resmunguei, cansada.
- Não reclame de mim, eu sou a mais fiel aqui. Agora nós somos um grupo de seis, onde só duas são suas vampiras. E você não pode mais transformar vampiras. Vê onde estamos chegando?
- QUIETA SOPHIE! – Eu, Ellie e Anika gritamos ao mesmo tempo a fazendo se assustar e cair sentada na cadeira às suas costas.
Ela rosnou e cruzou os braços.
- Não liguem para ela meninas, esse é o jeito dela. – Anika disse, sorrindo para Miranda e Valentina – Ela pode ser legal quando quer.
Quando as gêmeas riram e começaram a conversar aos sussurros com Anika, Ellie olhou para mim. Era meio como uma autorização para que eu resolvesse esse problema com Anika e tirasse Sophie do meu pé. Pigarreei e as três se viraram para mim.
- Annie, você não pode transformar garotas que mal conhece. – Anika baixou a cabeça, mas eu me aproximei – E por isso eu quero saber o máximo possível sobre vocês duas. Vai ser divertido ter gêmeas no grupo e vocês podem ajudar muito. Mas vocês precisam saber no que estão se metendo e é por isso que nós conhecemos bem quem vamos transformar antes de fazer isso, Anika.
- Sinto muito, Kat.
- Está tudo bem. Você foi de zero assassinatos a dois essa tarde e isso é muita coisa. Em breve você perderá as contas.
Os olhos dela brilharam.
- Sim! E Miranda e Valentina vão ajudar, eu posso garantir isso.
Eu senti Sophie se preparar para falar, mas interrompi antes que pudesse.
- Não, eu cuido disso, Anika. E é melhor você ficar por perto só como amiga.
- Entendi! Pode deixar.
Ellie se aproximou das meninas.
- Vamos lá para dentro e eu vou pegar roupas de Anika para vocês e fazer os ajustes necessários. Depois eu preciso de medidas. – E saiu falando com as três em seu encalce.
Girei os calcanhares para me virar para Sophie.
- Você está certa. Nós precisamos sair de Graz e transformar aquelas garotinhas em assassinas em série.

Maebashi
30 de agosto
Diário de Naomi
Lua nova. Morte apareceu de novo e disse que eu tenho dois meses para achar Kat ou... Deixou isso no ar. As coisas estão saindo um pouco do controle.

Graz
9 de setembro
Diário de Kat
Acordei esta manhã e qual não foi minha surpresa ao encontrar cinco vampiras enfurnadas na Sala Secreta. Três lendo grimórios e duas brincando com facas.
- Mas que diabos está acontecendo aqui? – Gritei fazendo com que Miranda olhasse para mim ao jogar a faca e quase acertar o olho da irmã.
- Ah, Oi. – Sophie disse, se levantando - Feliz aniversário, Kat! Estamos fazendo uma pesquisa.
- Pesquisa? – As gêmeas voltaram a atirar facas – Meninas, isso está enfeitiçado... – Voltei a olhar para Sophie - Como vocês conseguiram a chave da Sala Secreta em primeiro lugar?
Ellie balançou a mão se mostrando culpada, mas não tirou os olhos do livro.
- Ellie!
- Nós apenas estamos fazendo o que precisamos para sair logo de Graz. – Sophie disse, justificando tudo.
- Não que ficar em Graz seja um grande problema. – Anika resmungou.
- Já conversamos sobre isso, Annie.
- Eu ainda sou contra sair daqui.
- Você quer mesmo passar toda a eternidade em uma cabana?
- Não vejo problema nenhum nisso.
- Toda a eternidade? – Sophie repetiu espantada.
- É, toda a eternidade.
- QUIETAS! – Ellie disse se levantando.
Toda a sala ficou em silêncio e Valentina e Miranda foram guardar as facas no estojo. Ellie então me passou o livrinho que lia.
– Quem é nessa imagem?
Encontrei um desenho feito de grafite de cinco pessoas, em frente à cabana em que estamos. Duas mulheres segurando cada uma um bebê e um rapaz alto e sério ao lado da mulher mais velha. É datado 1835.
- Eu, minha mãe, minha avó e meus tios Julian e Juliette. - Olhei a contracapa para descobrir de quem era o grimório e vejo o nome de Rudolf. – Esse grimório era do meu avô, mas eu tenho certeza de que isso não aconteceu de verdade.
- Espera, você tem uma tia da sua idade? – Ellie disse, respirando fundo - Seu avô era bruxo e ainda estava vivo em 1835? Eu estou confusa.
- Nada como começar a manhã do meu aniversário de 66 anos com a história da família Petry. Sentem-se. – Elas ocuparam as cadeiras e eu me sentei sobre a mesa. – É, eu tenho uma tia da minha idade. Minha avó era uma megera, por assim dizer, e meu avô não ficava muito atrás, então quando minha mãe fez 16 anos, adquiriu certa independência e começou a falar sobre o que desejava - ou seja, eu - minha avó resolveu ter uma filha também. É de tradição que todos os filhos de cada geração tenham nomes começados pela mesma letra, então minha tia ganhou o nome de Juliette, que significava a juventude eterna que ela traria à minha avó. Tio Julian, dividido pelas duas, mas odiando a minha avó acabou matando os pais e foi para França com tia Juliette, que se passava por filha dele e irmã mais velha de Alec. Por ter feito isso, ele sempre teve todo apoio da irmã mais velha para tudo que fazia, inclusive colocar um demônio no corpo do filho.
- E eu achando que um chefe que nos forçava a atirar facas uma na outra era muito ruim. – Miranda comentou, de lado.
- Mais alguma coisa? – Perguntei com muita vontade de sair dali e dar um passeio por Graz.
- O que aconteceu com Juliette? – Ellie disse, tentando se lembrar do rosto.
- Eu não faço a mínima ideia. Só sei que quando eu saí da casa de meu tio ela estava solteirona ajudando no casamento de Alec. Eu não tive notícias depois disso, mas acho – espero – que os dois já estejam mortos.
- 66 anos não é tão idoso em se tratar de uma bruxa. – Sophie comentou trocando aquele tipo de olhar com Ellie.
- O que vocês estão pensando?
Sophie fez um sinal para Ellie seguir em frente.
- E se ainda existir uma Petry no mundo?
- Então a Morte não está realizando o trabalho dela direito. O que vocês querem dizer dizendo com isso?
- E se alguém com seu sangue for a chave para tudo?
- Eu já matei minha mãe.
- É, mas não estamos falando sobre matar. E sua mãe nunca ajudaria você a se livrar de uma maldição. Talvez uma outra bruxa ajudasse.
- Vocês não conhecem bruxas Petry muito bem, conhecem? Uma tia ou prima minha só faria alguma coisa se eu tivesse algo a oferecer.
Sophie olhou para Ellie, que olhou para Anika que olhou para as gêmeas, que olharam de volta para Sophie.
- Que tal um legado inteiro? – Ela disse apontando em volta da sala.
Eu senti vontade de dar um salto e enfiar as unhas no pescoço dela.
- Vocês querem que eu abra mão de todos os meus direitos como última bruxa Petry para uma bruxa qualquer me fazer um favor? NUNCA!
Com esse grito todo mundo dá um passo para trás, exceto por Ellie.
- Você não é uma bruxa, Kat...
- É, porque minha maldita mãe me tirou esse direito, eu não vou deixar outra parente minha me tirar todo resto.
- ...Você é uma vampira e seu sangue está amaldiçoado. Sangue, lembra? A coisa mais importante de todas.
- Todas essas bruxas eram do meu sangue também. Eu não vou abrir mão do legado que elas deixaram para mim, depois disso tudo.
- Ótimo, então me mate! Dê a Morte o que ela quer e ao Inferno também. É a única outra forma.
- Então minha escolha é entre a Morte, o Inferno e as Petry?
- É, e com a última escolha você pode cumprir a promessa que fez a Deyah do seu próprio jeito.
- Agradar meus familiares não tem nada a ver com meu jeito.
- Será que vocês duas podem ficar quietas? – Uma vozinha gritou do fundo da sala, batendo o pé.
Eu e Ellie nos viramos e quando as outras meninas se afastaram, Anika apareceu com as mãos na cintura.
- Eu cresci na corte e mesmo que eu não tivesse permissão para ouvir muitas coisas, eu era uma bruxa e me sentia bastante tentada a ouvir as conversas entre o Imperador e a Imperatriz. E se tem uma coisa que eu aprendi é que quando você é mais forte, acordos só servem para conseguir um pouco mais de força. Claro que às vezes essa quebra do acordo resulta em guerra, mas não é como se seis vampiras ligassem para uma carnificina ocasional.
Todos os olhares na sala se viraram para mim.
- Uma bruxa Petry não seria tão fácil de enganar.
- Talvez não uma que conhece toda a história da família, mas uma que cresceu na França, ou talvez sua filha, ficasse deslumbrada demais podendo ganhar uma herança dessas para perceber.
- Ainda assim eu não quero ter que pedir ajuda para alguém da família.
- Kat – Anika diz, abaixando a cabeça – Minha mãe sempre disse que o defeito mortal de qualquer bruxa é o orgulho. Eu sei que você e Sophie pensam que isso é besteira, mas minha família arranjou um jeito de sobreviver por quase um milênio depois que Deyah foi morta e continua sobrevivendo, minhas irmãzinhas ainda estão vivas. E a família de vocês duas acabou em sacrifícios. Mas vocês duas ainda estão aqui e bruxas ou não, talvez esteja na hora de agir com menos orgulho pelo bem maior.
À minha frente, Ellie sorriu.
- E quem disse que ela era uma criança?
- Calada, Ellie. – Sophie resmungou, e olhou para mim. – Então...?
Suspirei.
- Pense qu'il est temps pour cette autrichien rentrer en France. (Acho que é hora de voltar da Áustria para a França).
E então as deixei na sala, comemorando a partida.

Maebashi
15 de setembro
Naomi
Eu estava limpando a cozinha quando ela apareceu outra vez, sentada à mesa.
- Céus! Você não tem nada melhor para fazer?
- Enquanto Kat estiver por aí sem alianças e você estiver pronta para ser usada, não.
- Toda lua nova ou cheia você vem aqui me pedir para falar algo sobre essa Kat e sobre meus supostos poderes.
- Eu viria mais frequentemente, mas é uma condição da Morte, sabe lua cheia, lua nova. E não diga supostos quando você já os usou.
- Claro que é. - Disse, me referindo à primeira frase.
Eu me virei para guardar a vassoura e quando virei de volta ela estava bem atrás de mim.
- Ainda não acredita em mim?
- Por que eu deveria acreditar em uma mulher que aparece completamente do nada com uma conversa estranha sem dizer como sabe o que sabe sobre mim e quem é de verdade?
- É assim que eu apareço para você? Como uma mulher? Qual a cor dos meus olhos?
- Do que você está falando? Verdes.
Ela abriu um sorriso.
- Sua mãe. Eu também apareço para você como sua mãe, que você sequer conheceu. É isso que eu adoro nas bruxas Petry.
- Você é minha mãe? Eu estou confusa.
- Não querida, eu sou a Morte. E a Morte para você é a imagem da sua mãe. Você disse que eu mal falei com você, então essa é a hora. Por que não nos tornamos amigas? Me conte sobre você, Naomi.
- Não, obrigada.
- Não foi um pedido.
Eu estava presa entre um armário de vassouras e uma mulher duas vezes mais alta que eu – por que eu tinha que ser tão baixa? – e ainda assim insisti.
- E se eu não disser o que você vai fazer, me matar? Você podia ter feito isso dois ciclos da lua atrás. Mas aparentemente eu sou importante para você.
- Não se convença disso, Naomi. Mas vamos fazer um trato, já que você é independente e coisas assim. Conte-me coisas que eu não sei sobre sua vida e eu contarei coisas que você não sabe sobre você.
Eu não sou estúpida: Eu não tenho nenhum segredo, mas há muito que eu quero saber.
- Eu escolho o que você vai dizer. - Eu exigi.
- E você me diz tudo.
Limpei minhas mãos na saia e sorri.
- Você quer algo para beber enquanto isso?
Ela abriu espaço para que eu passasse e nós duas nos sentamos à mesa.
- Eu vivo nessa cabana desde que tinha cinco meses. O estalajadeiro que me vendeu a Tyanne disse que minha mãe deu à luz a mim e morreu em seguida. Tyanne me criou simplesmente porque queria receber auxílio do governo e jura que vai me vender outra vez quando eu fizer 18 anos. Não que isso seja um problema, aqui eu tenho comida, um abrigo e muito a fazer. Além de liberdade, já que Tyanne nunca está em casa.
- Onde você aprendeu a falar inglês?
- Eu tinha uma professora que encontrei na vila. Ela disse que um dia eu seria alguém grande.
- Isso é tudo sobre você?
Pensei por um momento. Eu não iria mentir para a Morte – é, eu começava a aceitar que ela realmente era a Morte.
- Eu tenho um diário.
- É, todas vocês têm. Mas não é disso que eu estou falando. Não tem nenhuma parte da sua história que você queira me contar?
- Não que eu me lembre.
- E quanto àquela mancha em seu quarto?
- Oh...
Meu lapso de memória deveria ser perdoado, eu realmente não lembrei daquilo por um instante. Três anos atrás uma mancha apareceu em meu quarto, parece petróleo e queima quando toco.
- Aquilo é a marca de que o Inferno está atrás de você também.
- Ah, então duas forças malignas estão lutando por mim?
- Eu não sou maligna, tenho dois lados, como a Vida. Mas isso é complicado de explicar. Eles já começaram o contato?
- Eles quem?
- O Inferno, Naomi.
- Ah, você quer dizer se mais alguém apareceu aqui me dando ordens? Não, não. Só você.
- Ótimo. Se eles aparecerem, você se mantém do meu lado. Você só tem a vencer com isso.
- Me diga o que eu quero saber e eu saberei isso com certeza.
- Pergunte.

3 de novembro
Essa tarde eu fui à casa de Yoko. Existem pessoas desaparecidas na vila e corpos encontrados quase desfigurados nos arredores. Tyanne me disse para não sair e isso só me deixou com mais vontade de sair. O corpo que encontraram há dois dias foi identificado como o pai de Yoko e eu passei toda a tarde em sua casa a ajudando.
Morte não aparece por aqui há 3 semanas, o que significa que um ciclo foi pulado. Ela me disse para não ir para a Áustria, Kat viria me procurar. Eu aceitei isso, mas não jurei lealdade a ela como ela queria. Não é assim tão fácil.
Voltei para casa pela floresta. Depois de toda uma tarde falando e pensando sobre morrer, eu decidi pensar na vida e pensar em como eu posso sentir a vida, como uma bruxa. Eu fechei os olhos e me permitir chamar a natureza por um minuto. Respirei fundo quando comecei a sentir as árvores, o chão, toda a floresta. De repente eu sabia que eu podia fazer qualquer coisa acontecer sem me mover, apenas imaginando, desejando, evocando.
E isso foi o que eu fiz. Derrubei algumas arvores, fiz algumas cerejeiras florescerem depois da hora, derrubei laranjas em todos os lugares. Então, eu senti um ponto cego. Como se em um ponto da floresta, não houvesse vida. Ou pelo menos nada que uma bruxa conseguisse sentir.
Sei que isso foi meio maluco da minha parte, mas eu resolvi abrir os olhos e seguir esse ponto. Só levou alguns segundos para que eu percebesse que não precisava, pois o ponto estava vindo em minha direção. Congelei e esperei, sabendo que não morreria antes de cumprir os planos da própria Morte. O ponto se revelou ser uma garotinha, ainda menor que eu, mas com uma beleza única. Ela usava um vestido bege antiquado, mas que vestia perfeitamente. Quando me viu, arregalou os olhos.
- Você pode me ajudar? – Disse em um japonês perfeito, mesmo que claramente não fosse japonesa. – Tenho um problema com sangue aqui. – Como não me movi, ela se aproximou e estendeu as mãos – Meu nome é Kat.

4 de novembro
Diário de Kat
Quem já recebeu uma ameaça de morte da própria Morte, sabe o quanto é importante quando a dita cuja aparece para você em sonhos avisando onde a pessoa que você procura está.
Nós nunca chegamos à França para o desprazer de Sophie e Ellie. As seis nos viramos em direção ao Japão logo após meu sonho. Não que eu quisesse seguir uma dica que a Morte deu e nem estivesse satisfeita em saber que ela já conhecia minhas intenções, mas eu precisava ver até onde aquilo ia me levar.
Admito que só estou fazendo isso tudo por causa dos conselhos de Anika. É realmente muito estranho seguir uma garota que antes era vista como a criança do grupo, uma deslocada. Mas não se pode discutir com a razão.
Foram Miranda e Valentina que facilitaram nossa vinda para a ilha do Japão pela água e Sophie quem localizou Maebashi. Faz poucos anos que essa vila ganhou o título de cidade e ainda é chamada pelos moradores locais de vila. Como eu sou a única que sabe falar japonês, comecei a busca por minha prima.
Tia Juliette teve uma filha. Mas foi tarde demais e ela acabou morrendo ao dar a luz e deixando a criança órfã que foi vendida. A Morte fez questão de me atualizar sobre isso e outras coisas, mas deixou um buraco em muitas coisas importantes, como porque diabos ela sabe tudo isso. Eu faço questão de descobrir isso tudo com minha prima.
Encontrei Naomi ontem na floresta. Reconheci-a pelos olhos. Todas as Petry tem os mesmos olhos, normalmente num verde folha bonito e suave, mas pronto para se tornar uma arma letal em quando necessário. Ela é, indiscutivelmente, uma Petry e das poderosas. Tanto que quando ela me encontrou, a primeira coisa que disse foi:
- Que diabos é você?
Depois de tanto tempo na Áustria eu esqueci que nem todo mundo é tão polido e gentil.
- O que você quer dizer?
- Bem, definitivamente você não é humana. Mas não sei dizer o que é. Isso foi algo que a Morte não me avisou.
Se você não consegue notar a importância disso, lembre-se que Sophie era bruxa passou semanas comigo e nunca descobriu que eu era uma vampira.
- A Morte contou a você sobre mim. - Eu disse.
- E a você sobre mim.
- Ela contou por que eu precisava de você?
- Não, porque ela também não sabia. Ela conhece intenções, não o motivo por trás deles. É assim que enxerga o futuro, através de intenções. A medida que as pessoas mudam, o futuro muda.
- Ela contou muita coisa para você.
- Digamos que ela me queria com muita vontade. Mas não contou o que você é.
- Porque eu não sou uma criatura dela.
Ela suspirou.
- Então você realmente não está viva.
- É mais complicado que isso.
Fez um longo silêncio, antes de perguntar.
- O que você quer de mim?
- Eu não posso simplesmente dizer a você.
Outro suspiro.
- Escuta, Kat. Eu também não sei quem você é e nem o que você quer e aparentemente você é mais poderosa que eu, mas nos últimos três meses eu tenho sido um brinquedo da Morte, enquanto ela fica na expectativa de sei lá o quê. Eu realmente quero acabar com isso e seguir a minha vida.
Apertei os olhos.
- Você é bem diferente do que eu imaginava, Naomi. Vamos resolver isso o quanto antes, mas eu preciso me reunir com um conselho antes de te contar tudo.

5 de novembro
Diário de Naomi
Disse a Kat onde era a minha casa, e ela apareceu essa tarde como combinado.
- O que Morte contou para você sobre sua família? – Ela perguntou se sentando na mesmíssima cadeira que a Morte se sentou há quase dois meses.
Primeiro mostre confiança, então receba confiança.
- Ela disse que eu venho de uma família muito antiga de bruxas, mas que minha mãe nasceu de um conflito que resultou em morte e foi criada longe de onde tinha nascido e longe de suas raízes. Eu nasci por uma tentativa dela de recuperar o poder bruxo da família, mas ela já tinha 50 anos e morreu no parto, prometendo à Morte que eu seria dela se ela me fizesse uma bruxa tão poderosa quanto as antigas da minha família foram. Morte concordou e aceitou seu sacrifício, mas precisa que eu faça um favor a ela antes de me conferir o que deveria ser meu... Ela disse que eu deveria entregar você a ela. Isso significa que eu devo matar você?
- Não, significa que você deve me fazer me unir a ela.
- Isso é mais fácil.
- Seria. Se para se unir a Morte eu não devesse matar alguém importante para mim. E se servir à Morte não fosse a última coisa que eu quisesse.
- Oh, não.
Ela sorriu.
- Ela não contou que nós somos primas, contou?
Olhei em seus olhos. Se pareciam tanto com os meus.
- Essa parte ela omitiu.
- E tudo isso que deveria ser seu, deveria ter sido meu se minha mãe não tivesse me entregado em sacrifício 56 anos atrás. Acho que agora eu devo contar minha história.
“O conflito, que causou o nascimento da sua mãe foi o mesmo que causou o meu. Minha mãe e a nossa avó queriam a mesma coisa: poder no Inferno e imortalidade. E para isso cada uma iria sacrificar uma filha. Nossa avó foi morta e sua mãe teve a chance de crescer na França com nosso tio. Minha mãe sobreviveu e eu virei vampira. Muita coisa aconteceu nesse tempo todo, mas o que você precisa saber é que eu me meti em uma confusão e estava em busca de alguém da família para me ajudar com isso. Mas me associar com a Morte, não é uma opção.”
Eu suspirei, absorvendo toda informação como normal. Acho que nada mais me surpreende a essa altura.
- Kat, eu sei o que você está pensando, mas eu não quero ser uma grande bruxa. Minha vida toda foi aqui em Maebashi e eu quero morrer aqui. Quero me casar, ter filhos e ter uma vida normal. O sacrifício que a minha mãe fez não significa nada para mim. Ela sabia que ia morrer e só comprometeu a minha vida com isso. Tudo que eu quero é tirar a Morte do meu pé para que eu possa viver.
- Gosto da sua honestidade. Nós podemos fazer um acordo. Você é uma bruxa poderosa e eu poderia usar uma bruxa poderosa.
- O que você quiser.
- Eu sou um desafio que anda para a Morte e estou amaldiçoada por isso. Sou uma vampira que não pode transformar vampiras. Meu sangue está sujo e isso para uma vampira é a maior desgraça que pode acontecer. Sangue é tudo que temos.
- E você quer que eu arranje um jeito de tirar essa maldição de você com um feitiço.
- Não, não. A única que pode tirar essa maldição de mim é a Morte.
- E você não quer dar o que ela quer. Não estou te acompanhando.
- É para isso que eu preciso de você.
Fechei os olhos.
- O que eu preciso fazer?
- Digamos que nós, as Petry, temos um longo histórico de enganar a Morte.
- Kat...
- Confie em mim.
Olhei para a garotinha à minha frente. Um primeiro olhar, faria dela uma criança. Mas olhando de perto existe uma espécie de sabedoria por trás daqueles olhos. Como se ela soubesse mais do que qualquer um.
- O que você quer fazer?
Ela se levantou.
- Não tenho certeza ainda. Mas é melhor assim, assim ela não pode ver o futuro e saber o que vai acontecer.
E então não estava mais lá.

10 de novembro
Diário de Kat
- Preciso de todas, exceto Ellie.
Ontem foi noite de lua cheia. Naomi me encontrou no cemitério da cidade e eu enfrentei minha quinta Danse Macabre para finalmente me livrar da maldição.
- Ninguém nunca precisa de Ellie. – Resmungou a mesma, cansada.
- Ela só não quer que você seja morta, Ellie. – Anika disse. – Eles realmente querem você.
- Sei disso, mas estou frustrada.
- Por que você não passa o tempo todo se perguntando por que diabos todo mundo quer você? – Sophie disse, ajeitando o vestido.
- Para quê? Provavelmente tem algo a ver com a minha beleza fenomenal. – Ellie resmungou, cruzando os braços.
Fizemos o procedimento padrão. Encontre a casa com a localização perfeita. Mate os moradores. Tenha um covil.
- De qualquer forma, - Eu disse da janela observando o pôr-do-sol. Então me virei. - Eu preciso que Sophie fique escondida na floresta até que seja preciso.
Ela fez um muxoxo.
- Por quê?
- Porque Sophie não pode ser tocada, ela pode ser necessária para o ataque final. – Foi Miranda quem respondeu, animada.
- Sophie é a indestrutível. – Valentina concordou, com ritmo.
Eu aprendi a adorar ter as gêmeas por perto. Elas fazem qualquer coisa parecer divertida.
- Exatamente. – Eu disse, sorrindo.
E então estávamos todas prontas. Anika, Miranda e Valentina ficariam em uma formação triangular em torno da Danse, Sophie, como dito, ficaria escondida e eu e Naomi faríamos a negociação. Até aquele momento eu não fazia a ideia do que diria. Mas a ideia era justamente essa.
Saímos quando escureceu e encontramos Naomi sentada em uma lápide, parecendo uma legitima Petry. Foi aí que um plano se formou em minha cabeça. Lembre-se que não prometi nada e que não tinha mais nada a perder ou escrúpulos. O mais importante era não deixar a Morte entrar na minha cabeça. As meninas foram para a formação e eu fiquei conversando com Naomi conforme a noite passava. Pontualmente às 23h30, os estalos começaram. E a meia-noite os esqueletos começaram a dançar.
Bastou um “Katerina” para que eu me lembrasse. Já faz 27 anos. Era hora de uma conversa séria.
- Aparece de uma vez. – Gritei e todos os ossos se quebraram, sendo substituídos pela linda imagem da minha mãe.
Ela sorriu.
- Sempre tão educada.
- Eu mandaria você para o Inferno, se achasse isso uma punição justa.
Naomi me deu uma cotovelada.
- O que você vê?
- Minha mãe e você?
- Ela diz que a minha.
- Então as primas se tornaram amigas! – A Morte interrompeu balançando as mãos.
- Você não imagina como.
- Já decidiu o que fazer? Ou vai continuar com a brincadeira de me confundir?
- Ainda estou em dúvida, querida. – Eu disse, irônica.
- Ninguém engana a Morte, Kat. Quem tentou acabou morta. Veja só a sua mãe.
- Foi por isso que você não disse nada até que ela estivesse morta, não é? Você queria que ela morresse.
- Você fez duas coisas que eu queria aquela noite. Desfez sua conexão com o Inferno e matou alguém que eu odiei por anos.
- Não há de quê. Mas voltando ao assunto, não vou mais enganar você, não sou estúpida, eu tive uma ideia melhor.
- Ouviu a voz da razão. Vamos logo ao fim então. Não posso ficar aqui por muito tempo. Não vejo Ellie por perto. Você precisa dela para mostrar fidelidade.
- Na verdade, eu estava pensando na sua fidelidade. Em como você realmente leva os sacrifícios a sério e tudo o mais.
O sorriso dela desapareceu.
- Explique logo.
- Se alguém faz um sacrifício que protege a vida de alguém até determinado momento, você não pode levá-la até que esse momento chegue, certo? Não precisa responder. Eu nasci para um desses sacrifícios. Ou pelo menos foi o que eu achei até os seis anos. De qualquer jeito, outra pessoa morreu para que eu, você e Naomi estivéssemos aqui hoje.
Naomi olhou para mim e eu lancei um olhar que implorava confiança. Voltei o olhar para a carranca da Morte.
- O que acontece se eu tentar matar Naomi?
- Eu vou ter que matar você.
- Exceto porque você não pode fazer isso. Você precisa de mim para algo muito maior do que um simples sacrifício. Então sobra a segunda opção, você teria que salvar Naomi.
Eu mordi meu braço e forcei Naomi a engolir o sangue. A reação que ela teve foi a mesma de Anika, vomitou e gritou como se estivesse sendo puxada para o Inferno.
- Não! – A Morte gritou, ao vê-la cair e começar a convulsionar.
Abri meu sorriso mais inocente.
- De acordo com meus cálculos, ela tem 5 minutos de vida. Talvez menos.
- Eu pensei que vocês fossem amigas!
- Não é como se eu me importasse.
Naomi gritou no chão, emitindo um som rouco.
- O que você quer que eu faça?
- Faça do meu sangue seguro. Naomi não precisa morrer. O que acontece se você deixar de honrar sua palavra de qualquer jeito? Ah é, a Morte perde o poder. O mundo vira imortal.
- KATERINA! – Ela sibilou, como as vozes nos esqueletos – Você vai pagar por isso.
- Faz isso de uma vez. Não vai custar tanto assim, você me amaldiçoou, cumpriu a promessa às bruxas. Agora desfaça essa maldição e cumpra a promessa a Juliette.
E no segundo seguinte, Naomi não estava mais gritando.
- Pronto. Está curado, satisfeita?
- Claro que não, preciso de provas. - Me virei para a floresta - Sophie!
Ela apareceu ao meu lado.
- Os esqueletos estão prendendo as meninas Kat. Se isso não acabar em 20 minutos, perdemos as três.
- Olá, Sophie. – A Morte disse, voltando a sorrir - O que você vê?
- Pierre. – Sophie sussurrou, surpresa - Isso é estranho.
- É porque hoje é aniversário dele. Você não teme a Morte.
- Mate Naomi. – Disse, tentando impedir a conversa. - Ela está protegida. Só você pode fazer isso.
- A questão é, você deveria? – A Morte voltou a dizer. – Eu sou a única que pode dar o que você tanto quer Sophie. Posso fazer de você grande. Posso fazer com que não precise de Kat.
Os olhos de Sophie faiscaram por um instante e eu vi traição. Voltaram ao normal no segundo seguinte.
- Do que ela está falando?
Sophie não respondeu. Trocou o olhar entre Naomi e a Morte, se decidindo. A Morte virou para mim.
- Nunca pensou em por que Sophie simplesmente não transformou vampiras, mesmo querendo isso tanto? Ou por que nunca deixou Graz?
Sophie sibilou como ela. Eu fiquei confusa.
- Sophie, do que ela está falando?
- Meu corpo é fechado. Meu sangue também.
E tudo fez sentido.
- Você não pode transformar vampiras.
- Não. – A Morte continuou. – Mas eu posso dar isso a você se você quiser, querida. Eu posso tirar sua proteção e passá-la a Kat. Ela não vai ter vencido e você pode ser livre. Sem juramentos.
- Sophie, não a ouça, você sabe como ela é traiçoeira.
- Mesmo? – Ela perguntou para a Morte - E o que você pediria em retorno? Você sempre quer alguma coisa.
- Nada ainda. É só isso por enquanto. Não a mate Sophie, a deixe ir. Tudo vai ficar bem para você.
- Ela quer matar Ellie!
- Ela não se importa! – A Morte gritou, olhando atrativa para a vampira. – Charlottie, Sophie, você vai procurar Charlottie. Kat não quer isso, ela não lembra disso, mas podendo ficar sozinha você pode fazer isso.
- Sophie não!
Eu sabia que tinha menos de 5 minutos e aquilo poderia levar a noite toda.
- Não a mate Sophie, deixe isso terminar.
Sophie novamente olhou para a Morte e para Naomi e por fim, olhou por mim. Na floresta, alguém gritou.
- Anika. – Eu sussurrei, meus olhos enchendo de lágrimas de repente.
- O maior defeito de uma bruxa é o orgulho. – Sophie sussurrou, antes de se atirar e matar Naomi.
- NÃÃÃÃÃÃÃÃÃO!
O grito marcou o fim da Danse e o desaparecimento da Morte. No segundo seguinte Anika, Miranda e Valentina estavam a nossa volta e me abraçaram ao mesmo tempo. Mas eu me afastei e me aproximei de Sophie.
- Nós vamos procurar Charlottie.
Ela esfregou os olhos e sorriu.
- É o mínimo que você pode fazer.




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