Aviso: Este post é sobre um livro de terror gótico e contém algumas imagens que podem ser consideradas perturbadoras para alguns públicos. Eu< não considero esse livro tão assustador assim, mas eu sou apaixonada demais por literatura gótica para ser confiável. Vocês foram avisados.

Eu estava em dúvida entre postar este post - que tinha sido prometido em março, mas acabou não saindo porque eu perdi a criatividade - ou um do Diário Artístico sobre imaginação, mas aí eu fiquei bem inspirada pelo fato de ontem ter sido noite de lua nova e pensei, porque não? (Não, isso não faz sentido. Mas às vezes acontece).
Eu tenho perturbado todo mundo que eu conheço tentando convencê-los a ler Carmilla há 2 anos e 3 meses e ainda não consegui fazer sequer uma viva alma lê-lo. No começo, eu achava que era pelo fato de ser um livro antigo e por meu gosto literário ser exótico, mas no ano passado uma websérie baseada no livro começou de DO NADA milhares de jovens se apaixonaram pela história. (O que me deixou bem brava com esse novo fandom que surgiu lendo meu livro preferido e tomando conta dele - mas eu já superei. Mais ou menos.) (A websérie é legal - eu vi 9 episódios no último Halloween e penso em começar de vez a ver qualquer hora dessas -, mas quando você passa um ano inteiro sofrendo por um livro e aí surge uma galera com um fandom de série, muitas vezes relevando a história do livro é normal ficar protetora a esse respeito - pergunta pra quem era fã de Vampire Diaries antes da série). Então só duas coisas podem ter acontecido: Ou eu tenho tentado convencer as pessoas erradas a lerem meu livro preferido ou eu não tenho perturbado ninguém o suficiente. E caso o problema seja este último, aqui estão 13 motivos para ler Carmilla:

Ilustração por diargonauta.
1. A sinopse do livro
Para quem ainda não sabe - a maioria das pessoas - Carmilla é uma novela de 1872 que conta a historia de Laura, uma jovem que vive basicamente isolada do mundo, sendo criada pelo pai e por duas governantas. Logo após receber a notícia de que a companhia que esperava receber faleceu de forma misteriosa, Laura e seu pai presenciam um acidente de carruagem e depois de um combinado suspeito acabam responsáveis por cuidar e abrigar a frágil jovem acidentada, que mais tarde se apresenta como Carmilla. A dona da casa e narradora acaba se vendo em um relacionamento tóxico com a jovem acidentada e personagem título, que a seduz e assombra ao mesmo tempo.
É um livro vitoriano com todas as características de uma história de vampiro clássica, mas com um detalhe simples: Tem uma mulher no papel de vilã e possui aquela coisa toda de garota/garota. Sim, é um livro extremamente gay, mas não é uma história de amor. Um trecho de um dos meus ensaios preferidos sobre o livro explica Carmilla e suas ações de uma forma simples (não que ela tenha a obrigação de explicar nada a vocês, bolsas de sangue): "De fato, o mito do vampiro fascina, porque ele é um ser que vive na sociedade, mas está fora do alcance de suas normas. Sua condição de morto-vivo o coloca fora das convenções sociais dos vivos, incluindo a sexual. [...] Um vampiro heterossexual é, portanto, um vampiro domado pela civilização. Carmilla subverte esses limites sexuais porque sabe que o sangue não conhece gênero."

2. O terror gótico
Eu reeeealmente não acho que Carmilla seja um livro assustador. É um livro perturbador, do tipo que te afeta posteriormente. Eu não senti medo lendo o livro, mas eu tive vários pesadelos com gatos me mordendo em salas escuras e jogos de sombra em casas góticas depois. A questão é que por ser um livro gótico Carmilla te suga (hehehe, Carmilla te suga) para uma atmosfera tecida pelo autor pra te deixar envolvida em um cenário místico em que qualquer coisa - principalmente tudo que existe no lugar mais escuro da sua imaginação - pode se tornar real.
Se você nunca leu um livro gótico, deixa eu tentar explicar: já leu O Morro dos Ventos Uivantes? Ou algo mais contemporâneo como Dezesseis Luas? Qualquer coisa da L. J. Smith? Nesse caso, você já leu um livro gótico, sim. Não é exatamente assustador, mas vai te deixar marcado e dominado durante leitura e até depois dela. Vai dominar sua mente e coração e fazer com que sua imaginação corra solta. Se você realmente nunca leu nada do gênero gótico e continua sem fazer ideia do que eu estou falando: O QUE VOCÊ ESTÁ FAZENDO COM A SUA VIDA?????????

Ilustração por Isabella Mazzanti 
3.  É um bom começo para quem quer ler clássicos, mas tem preguiça.
Apesar de ser um livro do século XIX - o que já deixa muita gente com sono só de pensar - Carmilla é um livro extremamente fácil de ler. É pequeno, até porque é excerto de uma obra maior, que foi republicado como um livro só. Minha edição física de bolso da editora Hedra tem só 149 páginas - o menor livro da minha estante. Além disso, traduções como a primeira que eu li, em linguagem atual, simplesmente são devoradas pelos olhos dos leitores mais vorazes. (Se alguém quiser, eu posso mandar um link para download do Dropbox depois. Outra vantagem de Carmilla: como o autor morreu em 1873 o livro é de domínio público há algumas décadas e já foi disponibilizado traduzido por alguns sites.)

4. O livro é praticamente YA
Pensem comigo: as duas personagens principais são praticamente adolescentes e existe muito no livro que é sobre Laura ser uma jovem solitária, que está se descobrindo. Sendo narrada pela personagem principal alguns anos no futuro, ainda existe uma avaliação das ações que ela tomou como jovem. É basicamente young adult fantasy do século XIX.

5. Feminismo
Carmilla é um livro com uma personagem feminina que desafiava muitas das convenções sociais e crenças absolutas da época, diferente do que todo mundo estava acostumado em 1871, ano em que a história começou a ser publicada em forma de folhetim. Ao colocar uma mulher no papel de vilã, a ideia da mulher como um ser inocente que precisa ser salva, presente em basicamente todo livro gótico foi colocada em questão. Quer dizer, o livro ainda tem uma mocinha que precisa ser salva, mas o perigo ao qual ela é submetida não vem da parte de um homem que existe em oposição aos salvadores dela. Vem da parte de uma mulher que existe em oposição a ela, provando que mulheres não precisavam ser personagens tão bidimensionais. Além disso, quase sempre que mulheres apareciam como vilãs na literatura, elas acabavam matando um homem, ou sendo a perdição da vida de um "homem bom". Carmilla, não. Ela não poderia se importar menos com os homens. Definitivamente.

Essa é a minha favorita. Ilustração por BeatrizMartinVidal
6. A influência exercida sobre Drácula
Estamos falando do maior livro sobre vampiros aqui, queridos. Até quem nunca leu Drácula sabe quem é Drácula e sabe dos aspectos básicos de Drácula (o fato de ele dormir em um caixão, queimar ao sol, não gostar de alho e de crucifixos, et cétera). O nome Drácula evoca uma ideia de vampiro tão intricada à sociedade que até hoje as pessoas dizem que "vampiro de verdade" só vampiro como Drácula. E Carmilla influenciou a existência desse personagem. Vocês tem noção da importância disso?
A influência é mais óbvia em uns momentos e menos em outros. Por exemplo: o ódio por itens religiosos está presente nos dois livros. A metamorfose, também. A força nas mãos, igualmente. Bram Stoker era assumidamente apaixonado pela obra de Le Fanu e inclusive no conto O Hospede de Dracula existe uma referência a uma condessa austríaca assim como a vampira de Carmilla (e O Hóspede de Drácula era o primeiro capítulo original do livro, que depois foi deixado de lado).

7. A influência exercida sobre As Crônicas de Kat
Sim, citar minha própria história nesse post é totalmente válido. A influência de Carmilla sobre As Crônicas de Kat é tão intensa que cobre tudo desde os detalhes sobre a transformação de vampiras até a personalidade e o local de nascimento da personagem principal. Eu só estou dizendo que se você gosta apenas um pouco de As Crônicas de Kat, provavelmente gostará muito de Carmilla.

8. As adaptações (Ou mais especificamente A Maldição de Styria)
Se você não é o tipo de pessoa que gosta de filmes que seguem o livro à risca (grande parte do tempo eu sou, mas com clássicos góticos você simplesmente espera que os personagens sejam retratados com fidelidade e o resto vai dar certo), você vai amar provavelmente quase qualquer adaptação de Carmilla existente. E existem muitas. Estamos falando de dezenas de filmes, alguns episódios de séries e uma webserie.
Meu único problema com adaptações de Carmilla é a mania de sexualizar e/ou romantizar a história. É muito mais raro você encontrar um ator atraente representando Drácula do que encontrar uma atriz atraente representando Carmilla. Eles dois são os monstros de suas histórias, mas ele é assustador enquanto ela é sexy. (E não são só nas adaptações: uma das edições nacionais de Carmilla faz parte de uma série de livros eróticos. O livro não tem sexo, mas de alguma forma duas garotas são automaticamente relacionadas a erotismo.). Além disso, é bem raro (acontece, mas é raro) ver alguém shippando Drácula e Mina ou Drácula e Lucy, mas quase todo mundo shippa Carmilla e Laura.
Agora o parágrafo raivoso: Deixa eu esclarecer uma coisa para vocês (Pode conter spoilers - você sempre pode pular para o próximo parágafo): ELAS NÃO ESTÃO APAIXONADAS NO LIVRO! Sim, o livro é supergay, mas não é sobre duas garotas que se casarão e criarão bebês vampiros felizes. É sobre uma garota solitária sendo assombrada por uma vampira com duzentos anos de experiência que provavelmente já havia dito "Eras minha, serás minha, tu e eu seremos uma só" para 500 outras garotas antes de dizer para a Laura. Pronto, eu disse. Não é uma história de amor é uma história de terror gótico, gente.
Agora de volta a porque eu acho que as adaptações são um motivo para ler Carmilla: Alguns meses atrás, eu assisti a um filme indie que estava esperando para ver há 2 anos e foi completamente apaixonante. É um filme inspirado por Carmilla, com várias mudanças básicas, mas que mantêm o aspecto gótico, todo o sangue e o horror. O nome é A Maldição de Styria e ele estreou aqui no Brasil em 2014 no Fantaspoa, mas eu não pude ir ver porque moro meio longe de Porto Alegre. Eu amei todas as partes do filme, mas eu tenho consciência de que só quem leu o livro pode aproveitar a plenitude dele (leia-se: altas críticas negativas de quem não leu), o que quer dizer que quem quiser ver o filme vai ter que ler o livro.

9. As fanarts
Eu decidi encher esse post de fanarts porque eu sou completamente encantada com como alguém consegue transformar uma cena tão maravilhosamente narrada e tecida para causar terror em um desenho completamente incrível e definitivamente perturbador. Digo isso como alguém que não desenharia bem nem se a minha vida dependesse disso. Em 2013 eu descaradamente usei várias fanarts de Carmilla para fazer propaganda de As Crônicas de Kat - porque em alguns casos elas se encaixavam perfeitamente. Hoje em dia no Tumblr você acha mais fanarts da webserie do que qualquer outra coisa (porque vocês talentosos que fazem as fanarts da webserie não podem fazer mais fanarts do livro?), mas depois de fuçar muito eu consegui achar ontem algumas fanarts que eu nunca tinha visto e eu fiquei tão encantada que comecei a gritar "HOJE É NATAL?" no Twitter.

Ilustração por kuroudraws

10. Gatos
Ok, talvez isso não seja um motivo assim tão bom para ler o livro, mas vamos encarar: o que é melhor, um vampiro que se transforma em morcego ou um vampiro que se transforma em um gato? Os que preferem cachorro podem até lembrar que Drácula também se transformou em lobo, mas aceitem: gatos são melhores. E uma vampira que se transforma em um gigante gato preto é maravilhoso. (Fato aleatório: se eu tivesse adotado uma gatinha ao invés de um gatinho o nome dela seria Mircalla - para entender porque, você vai ter que ler o livro -. Na verdade, eu quero ter uma gata com esse nome um dia, mas por enquanto eu só posso ter um mesmo) (Eu pretendo falar sobre meu gato aqui no blog, depois do mês literário. Só disse isso pra avisar mesmo) (Aliás, os posts de agosto serão sobre assuntos muito aleatórios, vocês vão amar).

11. Estes trechos
Mostrar é (quase) sempre melhor que dizer, então, aqui vão 3 dos meus trechos preferidos de Carmilla.
"Mas curiosidade é paixão incontida e inescrupulosa, e jovem alguma pode suportar, com paciência, que alguém - seja lá quem for - lhe frustre a curiosidade. Que mal havia em me contar o que eu queria tanto saber? Será que ela não confiava no meu bom senso ou na minha honradez? Por que não acreditava em mim quando eu lhe garantia formalmente que jamais revelaria a qualquer mortal uma única sílaba do que me contasse?
Havia uma frieza um tanto precoce, achava eu, na persistência com que ela, com um sorriso melancólico, recusava-se a me revelar o mínimo detalhe.
Não posso dizer que a questão nos levasse a desavenças, pois ela jamais protagonizava qualquer discussão. Evidentemente, era injusto da minha parte, pressioná-la, até deselegante, mas eu não conseguia deixar de fazê-o; no entanto, melhor seria não ter insistido.
O que ela me disse, na minha avaliação injusta, somava a... nada, resumindo-se a três revelações vagas:
Primeiro: seu nome era Carmilla.
Segundo: sua família é antiga e nobre.
Terceiro: sua residência ficava no oeste." Capítulo IV: Os hábitos dela. Carmilla, A Vampira de Karnstein. Editora Hedra. 2010.
"— Não sabes o quanto te prezo ou não duvidarias da minha confiança. Mas eu estou sob juramento, pior do que uma freira, e não me atrevo a revelar minha história, nem mesmo para ti. Está próximo o momento em que saberás de tudo. Vais me achar cruel, muito egoísta, mas o amor é sempre egoísta; quanto mais ardente, mais egoísta. Não sabes como sou ciumenta. Tens que vir comigo, amando-me para a morte; ou então me odeie, mas vem comigo, e me odeie na morte e depois dela. Não existe a palavra indiferença na minha natureza apática." Capítulo VI: Estranha agonia. Carmilla, A Vampira de Karnstein. Editora Hedra. 2010.
"Como eles escapam de suas sepulturas e retornam a elas por algumas horas todos os dias, sem perturbar o reboco ou deixar quaisquer vestígios de perturbação no estado do caixão ou do cimento, sempre foi admitido como sendo absolutamente inexplicável. A infame existência do vampiro é sustentada pelo renovado sono diário na sepultura. Sua horrível luxúria por sangue vivo supre o vigor da sua existência acordada. O vampiro é propenso a ficar fascinado com uma absorvente veemência, lembrando a paixão do amor, especialmente por pessoas. Na perseguição a essas irá exercitar inesgotável paciência e astúcia, pois o acesso a um determinado objetivo pode ser obstruído uma centena de maneiras. Ele nunca vai desistir enquanto não tiver satisfeito sua paixão e drenada a própria vida da vítima cobiçada. Mas irá, nesses casos, prolongar seu mortífero gozo com o requinte de um gastrônomo e ampliá-lo através das progressivas investidas de uma ardilosa abordagem. Nesses casos, parece que anseiam por algo parecido com simpatia e aprovação. Normalmente vai direto ao seu objetivo, subjuga-o com violência e estrangula e exaure muitas vezes em um único banquete." Capítulo XV: Ordálio e Execução. Carmilla. Casa do Mago das Letras - Livros Eletrônicos. 2009.

12. Porque te faz se apaixonar por diversas outras obras
Carmilla foi um dos primeiros livros que eu li quando minha obsessão por literatura gótica começou e foi a influência dele sobre diversos outros livros que me fez ler muita coisa de 2013 pra cá. Me apaixonar por este livro foi o que me fez pesquisar mais sobre o gênero e me encantar por muitas histórias (Incluindo Drácula e os livros da Anne Rice). O livro que eu estou lendo agora, Góticos: Vampiros, Múmias, Fantasmas e Outros Astros da Literatura de Terror e sua continuação, são antologias de contos, poemas e ensaios do gênero que incluem textos do autor de Carmilla, Sheridan Le Fanu, além de Bram Stoker (Drácula), Mary Shelley (Frankenstein), Robert Louis Stevenson (O médico e o monstro), Sir Arthur Conan Doyle (Sherlock Holmes) entre outros. Outra recomendação gigantesca que eu faço.

13. A história do autor
Ilustração por E. J. Barnes
No último Mês Literário, eu fiz uma lista de autores favoritos e naturalmente, Sheridan Le Fanu estava incluso. Aqui vai o resumo da história dele que eu postei ano passado:
"Joseph Thomas Sheridan Le Fanu (a.k.a J. S. Le Fanu, Sheridan Le Fanu ou simplesmente, Le Fanu) nasceu em Dublin, Irlanda em 28 de agosto de 1814, em uma família de literatos. Estudou direito na Trinity College em Dublin, era um dos alunos mais brilhantes da turma e de forma incomum, pode estudar em casa e fazer provas na faculdade. Em 1838 ele começou a contribuir com as histórias para a Dublin University Magazine. Em 1839 ele foi convidado a se juntar à ordem de advogados irlandesa, mas recusou e logo abandonou o direito pelo jornalismo. Em 1840 se tornou dono de diversos jornais irlandeses.
"Le Fanu se casou em 1844 com Susanna Bennett, com quem teve quatro filhos: Eleanor, Emma, Thomas e George. Susanna começou a sofrer de problemas psicológicos ao meio da década de 1850, e começou a buscar apoio na religiosidade. Na época, Le Fanu trabalhava excessivamente e não visitava a igreja tanto quanto gostaria.  Susanna morreu após um ataque de histeria em abril de 1858. A tristeza e a culpa em perder a esposa levou Le Fanu a abandonar a literatura até a morte de sua mãe em 1861. Seus últimos anos foram passados em melancolia e trabalho até a sua morte em 1873. Le Fanu escreveu diversos gêneros, mas se tornou mais conhecido pela literatura de terror, que lhe rendeu o título de "pai do gótico" mesmo não sendo o primeiro autor do gênero.
"O cara era basicamente um gênio e um apaixonado por literatura. Ele pode não ser o mais popular do gênero, mas foi quem influenciou todos os populares. Em Carmilla, livro mais conhecido dele e meu livro preferido, ele lançou algo totalmente inovador para a literatura da época: uma vilã feminina. E eu acho que Carmilla é o que eu mais gosto sobre ele. É um livro do tipo que nunca havia sido visto antes do Le Fanu e que nunca voltou a ser visto depois dele."

G.