Boa noite, companheiros humanos. Bem-vindos à segunda resenha do ano, primeira resenha do mês literário e talvez única resenha de um livro que foi diretamente recomendado por uma ídola minha. Pois é, Mandy Lee não só é uma cantora e compositora incrível (da melhor banda com as melhores músicas do mundo), um ser humano lindo (e ruivo) com uma personalidade maravilhosa e uma cozinheira lendária, mas ela também tem um gosto literário impecável. Algumas pessoas simplesmente são perfeitas e não há nada que a gente possa fazer a respeito.
Falando sério agora, eu estava um pouco preocupada em relação a resenhar este livro porque eu não sei ser imparcial (o que é ótimo para alguém que cursa jornalismo afirmar). Relacione alguma coisa que eu amo com uma obra de arte e eu já vou achar a melhor coisa feita na história da humanidade (eu literalmente já dei 5 estrelas a livros e filmes simplesmente porque eles citaram Viena - minha segunda cidade preferida no mundo - uma vez só). Então eu prometi a mim mesma que tentaria ser direta sobre o livro e que se ele não fosse bom, eu não resenharia (porque eu tenho uma filosofia contra resenhas negativas. É aquela coisa de se não tem nada de bom a dizer, não diga nada). Mas isso não foi um problema, o livro é maravilhoso. Claro que é, Mandy Fucking Lee gostou dele - eu meio que estou chateada comigo mesma por ter achado existia chances de um livro que ela gostou ser ruim. (Eu sou o pior tipo de fangirl) (Para quem abriu o link do tweet lá em cima: Eu também comprei The Sociopath Next Door, mas eu comprei em inglês e considerando a ressaca literária na qual me encontro esse ano, eu vou demorar uma eternidade para ler um livro não-ficção em inglês. Se ele for tão bom quanto O&C vocês provavelmente encontrarão uma resenha dele aqui mais ou menos em 2018, 2019). DE QUALQUER FORMA, vamos focar no livro:

Estava procurando uma imagem para o post e achei essa ilustração que fizeram para o livro. E agora eu quero me casar com essa imagem.
Oryx e Crake é um romance especulativo (definição da autora) pós-apocalítico contado do ponto de vista do Homem das Neves, que aparentemente é o único ser humano comum existente na época. Eu digo "ser humano comum" porque junto com ele estão os Filhos de Crake ou Crakers, seres modificados em laboratório, criados a partir de embriões humanos para "melhorar a humanidade". Assim que o livro começa nós somos sugados para os flashbacks do personagem em questão que nos mostra um futuro não muito distante de onde nós estamos no momento, onde cientistas e suas famílias vivem em complexos projetando todo tipo de avanço científico, mais para ganhar dinheiro do que qualquer outra coisa. O mundo não é mais do jeito que conhecemos, até as estações mudaram e os desastres naturais antes esporádicos, agora são frequentes. Envolvidos nas memórias do Homem das Neves, que costumava se chamar Jimmy, vemos como o mundo decadente da infância de Jimmy se tornou a destruição na qual o Homem das Neves habita. (SPOILER ALERT: O apocalipse começou no Brasil. Corram.). O livro é o primeiro de 3 e eu estou desesperada para ler os últimos dois, mesmo que as histórias sejam meio que independentes.
Ontem eu disse na página que quem ficou revoltado comigo dizendo no último post que gosto de fazer leitores sofrerem, podia se sentir vingado, porque o livro que eu estava lendo estava destruindo a minha vida. E era verdade. Como a maioria dos livros e filmes sobre o fim da humanidade, Oryx e Crake é o tipo de história que eu adoro escrever, mas odeio ler, porque me faz questionar cada parte da minha vida. Até coisas que eu nem sabia que me incomodavam. Não é um livro fácil de ler, ou o tipo de livro que eu recomendaria para todo mundo que eu conheço. Na verdade ele é bem pesado e não dá pra aproveitar ele de verdade sem estar minimamente consciente disso. Mas é um bom livro, sem questionamentos sobre isso.
Um outro ponto sobre o livro é porque, como ele foi escrito em 2003, já é possível fazer uma leve comparação com a forma como pensávamos no início do milênio e como a gente pensa agora, na segunda década. Por exemplo, a autora previu o fim do livro de papel que na história foram transformados em CD-ROMs (eu sei, eu achei engraçado e fiquei chocada com o pouco tempo que passou para CD-ROMs tornarem-se obsoletos). Eu não acredito mais que isso vá acontecer - até o disco de vinil está de volta e tem mercado. A menos que exista uma queda considerável no número de leitores nas próximas gerações (o que não parece que vai acontecer) ou algo bem sério a respeito da produção de papel, eu acho que a crise na indústria literária não vai chegar ao ponto da extinção do livro de papel tão cedo. Por outro lado, o livro tem toda essa parte sobre como as faculdades de cursos de humanas foram maltratadas e como seus cursos se tornaram apenas destinados a criar subalternos dos cientistas e isso me afetou de verdade. Já faz parte do pensamento comum que a arte e as humanidades não têm tanta importância. A verdade é que se você não estuda ou não quer estudar nem direito, nem medicina e nem nenhuma engenharia você provavelmente ouviu pelo menos uma vez que deveria cursar uma dessas coisas. A gente criou uma sociedade que necessita de um número absurdo de profissões para funcionar perfeitamente, só para agir como se algumas dessas profissões fossem melhores que outras. E, se você não tiver como trabalhar nas melhores, é melhor nem tentar ser bem sucedido. Eu não sei se isso ou a forma como a humanidade acabou em Oryx e Crake é mais assustador para mim. Talvez os dois.

Porque eu não posso ser talentosa desse jeito?
Para finalizar o post, eu quero contar algo meio pessoal: Eu sinto que uma das razões para eu ter gostado tanto desse livro é porque ele é tipo de livro que eu acharia em um dos passeios que eu e minha mãe fizemos aos sebos. A gente ia juntas frequentemente, sempre pra comprar uns 5 livros por 20 reais, e sempre acabávamos voltando com esse tipo de livro: que tem uma sinopse interessante, que faz a gente pensar. E geralmente eram os mais pesados, que ela lia primeiro - ela costumava esconder esses livros de mim, até eu fazer 14 anos, mas eu sempre achava e sempre puxava conversas sobre o livro depois. Enquanto eu lia, eu senti falta das nossas conversas, várias vezes. Eu sentia que ela era a única pessoa com quem eu poderia conversar sobre o livro e que entenderia minhas impressões. Não to contando isso para ninguém ficar triste, eu apenas estou feliz por poder escrever sobre o livro e saber que pessoas vão ler. O que mais uma vez reforça o poder da arte. Chupa essa, Crake.
G.