Outro post nos 45 do segundo tempo, porque a escritora que vos fala é desorganizada e procrastinadora. E não tinha energia em casa quando eu quis escrever. Mas de qualquer forma: E aí? O último post do Mês Literário, não é exatamente o tipo de post que todos os meus leitores amam, mas é algo que eu vinha prometendo escrever e postar há muito tempo: O conto sobre a morte da Kat e sua transformação. Pode não ser muito interessante para quem não curte As Crônicas de Kat e é um conto de terror, mas eu sentia que eu precisava postar isso em algum momento e achei que seria uma boa ideia terminar o Mês Literário com um conto, assim como ele começou. Para as pessoas que não querem ler o conto de jeito nenhum, porque não curtem ou tem medo, tudo bem e eu prometo que os posts de agosto serão bem divertidos e leves. Mas para os interessados, eu realmente acho que Mi Totentanz pode deixar muita gente curiosa para ler As Crônicas de Kat. Quem resolver ler: Eu adoraria um feedback, porque com a minha ficção eu estou sempre treinando e tentando melhorar. Mas chega de falar, aqui está o conto sobre a morte e transformação da minha vampirinha. Espero que gostem. (E eu sinto muito sobre a formatação, eu estou sem Office e precisei escrever tudo aqui).

Eu sei que essa lua não está cheia, mas foi a melhor imagem que eu consegui.
Era isso ou uma menininha sangrando e eu quero dar pesadelos com a história, não antes dela.

Mi Totentanz
Eu comecei uma contagem regressiva para o dia do sacrifício no meu aniversário de 7 anos, mas depois de um tempo ficou entediante. Quando minha rotina de acordar, marcar o calendário e ler livros e mais livros mudou para a pratica de feitiços em qualquer hora do dia ou da noite que minha mãe achasse mais conveniente, eu fui perdendo as contas. Dias, semanas e meses se tornaram baseadas em estudo e treinamento. E eu não me importava, era divertido. Eu era inteligente e talentosa e o orgulho nos olhos da minha mãe - mesmo que fosse orgulho de si mesma - era o mais próximo que eu tive de amor. Por isso, quando eu fui acordada no dia 8 de setembro de 1844, mesmo que alguém me perguntasse o que aconteceria era eu provavelmente responderia com: hoje é o segundo domingo do mês, então é dia de estudar as religiões do mediterrâneo.
- Acorde e ponha todo esse sono pra fora. - Minha mãe cantarolou me puxando pelos ombos para me acordar - Hoje é o grande dia.
O brilho no olhar dela era algo genuíno. Eu sabia pouco sobre isso, mas sabia que ela estava feliz. Ela abriu um baú de couro que devia ter levado para meu quarto em algum momento da noite e começou a colocar os pouquíssimos pertences que eu tinha nele. Eu continuava um pouco perdida:
- Grande dia?
Ela se virou para mim, com aquele brilho estranho ainda no olhar.
- Faz exatamente 9 anos 364 dias e 5 horas que você nasceu, Katerina. É hora de começar a prepará-la, meu sacrifício puro.
Com bile na garganta, eu dei uma olhada de lado para a parede onde a marca do Inferno costumava ficar, não havia nada lá. Depois de 4 anos me ensinando o que deveria fazer depois da noite em que morreria, eu estava sendo deixada sozinha para completar uma obrigação que era mesmo só minha. Era demais para alguém que ainda ia completar 10 anos. Jocelyn terminou de guardar tudo que era meu no baú, com exceção de minhas roupas, enquanto as lágimas surgiram no canto dos meus olhos.
- Ah, não tenha medo, Katerina. A maior parte do seu trabalho já foi feita ou será feita a partir de amanhã. Todo o trabalho hoje será meu, apenas aproveite este momento.
- Mamãe. - Disse com um fiapo de voz que nunca havia usado e nunca usaria outra vez. - Vai doer?
- Serei sincera: Sim. E não usarei eufemismos: Bastante. Entretanto, é só por esta noite, o que é uma noite de dor em comparação a uma eternidade de conquistas? - Antes que eu pudesse processar o que tudo aquilo significava, ela me puxou pela mão - Mas chega de dúvidas e medos, eu tenho algo a lhe mostrar.
Ela me arrastou para fora do quarto que eu estava vendo pela última vez como humana e me levou até o dela. Depois de me colocar sentada na cama, ela abriu seu armário pequeno e tirou um embrulho que me deu.
- É seu. Para usar esta noite. - Antes que meus dedos começassem a se mover, ela me impediu - Você só pode abrir se me falar sobre o feitiço que eu farei essa noite.
Eu estava acostumada a ter que fazer essas pequenas trocas, só que geralmente era algo bem mais simples, como meu almoço por um poema traduzido para o francês. Ou um pedaço da história do Inferno em troca de uma tarde livre. Mas o feitiço complicado e tudo que eu sabia sobre ele escapou dos meus lábios com facilidade - eram, de certa forma, fatos familiares. Não pareciam ser destinados para mim, o medo que eu tive há poucos instantes havia sido completamente substituído por minha curiosidade em saber o que o pacote continha.
- Muito bem, Katerina. É bom que saiba como foi transformada, poderá usar isso em breve. Pode abrir seu presente.
Rasguei o papel pardo com vontade e um vestido branco de renda e seda apareceu diante de mim. Ele tinha mangas curtas e parecia mais uma camisola do que um vestido do dia-a-dia e era, afinal, uma espécie de mortalha. De qualquer forma, era mais bonito do que qualquer coisa que eu já tive em vida. Jocelyn ficou satisfeita com minha alegria.
- E isso é só para o sacrifício. Nós vamos para a cidade agora, comprar roupas para depois disso. Eu economizei muito para as compras. Amanhã envio você para a Romênia e você estará usando as melhores roupas que posso conseguir. - O sorriso sumiu e ela se abaixou em minha frente - Espero que me dê muito orgulho, filhinha. Você será minha forma de ser conhecida no mundo.
- Bruxas não são conhecidas pelos feitiços que fazem. - Recitei, do grimório da mãe dela - Elas são conhecidas pelas consequências deles.
- Exatamente. - Ela concordou, ainda sem sorrir - Meu maior feitiço fará de você algo maravilhoso e por sua existência eterna ser a consequência, eu quero ter certeza de que você será alguém por quem vale a pena ser conhecida.
Concordei com um balançar de cabeça. De repente, me vi disposta a trabalhar para que aquele dia e nosso ritual saísse como da melhor forma possível. Eu queria que aquilo acontecesse, certo? Eu queria me tornar uma vampira e viver para sempre. O medo era apenas uma fraqueza humana que eu deixaria de sentir em algumas horas.
Jocelyn fez café da manhã - queria garantir que eu tivesse todas as refeições do dia - e me levou a Graz. Passamos algumas horas comprando vestidos. Ela deixou que eu escolhesse e eu escolhi todos os mais claros com tons de bege a branco. Por algum motivo, isso deixou minha mãe muito satisfeita. No almoço, ela quis que fôssemos ao melhor lugar da cidade, que tinha meu prato preferido, mas antes de entrarmos pediu com a voz de professora:
- Conte-me sobre o encanto que faz com que vampiros se metamorfoseiem.
Depois do almoço e antes da sobremesa a mesma história:
- Fale sobre a árvore genealógica das Petry.
Voltamos para casa um pouco antes das três da tarde, assim que minha mãe combinou com um carroceiro que me buscasse no dia seguinte ao meio dia, para me levar a estação em Viena. Precisávamos começar 12 horas antes da hora marcada para minha morte. Fui até a biblioteca pegar todas as ferramentas que precisariam naquela noite e depois de guardar todas as roupas no mesmo baú que guardara meus outros pertences, mamãe se juntou a mim na sala. Seu sorriso e sua alegria haviam desaparecido. Ela agora estava no modo bruxa, o que duraria até o fim do ritual, e eu deveria fazer a mesma coisa.
Eu a vi recitar as palavras que deveria, completando o que ela deveria dizer antes mesmo que o fizesse pois essas eram outras palavras que eu decorei. Quando chegou a minha vez de dizer a mesma coisa, fazer a mesma promessa, ela começou a fazer um corte em seu pulso com um punhal novo. Eu não sabia desta parte e quando tentei alcançar o punhal para fazer a mesma coisa, mamãe o pôs de lado e balançou a cabeça.
- Não. Você precisa se manter imaculada. Esse feitiço deveria garantir que você se ligasse a mim apenas por ser minha filha, mas por todo caso eu quero garantir que o primeiro sangue que você consuma seja o meu.
Eu olhei para a tigela de madeira na qual ela depositava o sangue que escorria de seu pulso em uma quantidade perigosa.
- Você acha que ele continuará fresco até as 3 da manhã?
- Eu não disse nada sobre quando você irá bebê-lo.
Ela terminou a tarefa sangrenta e rasgou um pedaço do próprio vestido para cobrir o ferimento. Então entregou a tigela para mim. Minha hesitação durou menos de um segundo. Eu precisava fazer aquilo de qualquer forma e estava cansada de agir como uma criança. O sangue tinha um gosto amargo de ferrugem e ainda estava quente. Não era uma sensação boa, mas não parecia de todo ruim. Minha mãe começou um canto longo, outra parte do feitiço que eu desconhecia. Fechei os olhos, tentando imaginar um mundo em que eu usaria daquela mesma bebida como sustento. Era impossível: Pra mim beber aquilo era outra das muitas obrigações desagradáveis que eu tive que enfrentar, eu nunca faria aquilo por prazer. Mas o que eu sabia sobre prazer? O canto de minha mãe terminou quando eu deixei apenas uma mancha vermelha no fundo da tigela. Se ela ficou satisfeita, ela não demonstrou mais nada.
- Ao banho. - Disse, narrando a segunda parte do processo.
Foi a parte mais simples: nossa banheira foi enchida de água e cercada de velas e eu tomei banho entoando um canto que aprendi aos 3 anos de idade. Depois de desembaraçar os cabelos e usar o vestido que ganhei naquela manhã, fui levada ao jardim da frente. Eram quase 6 e o sol já se punha, mesmo sendo fim de verão.
Mamãe me pôs no ponto que eu ficaria a noite inteira e começou o complicado desenho no chão, com as próprias mãos, a partir de onde eu estava. Eu fiquei imóvel por horas, o que era complicado. Deixei minha mente imaginar a vida que eu teria depois daquilo. Me imaginei conhecendo o mundo, os lugares e os prazeres que só conhecia através dos diários que havia lido. Me lembrei que não precisava ter medo do desconhecido, pois seria uma criatura forte que destruiria qualquer coisa que se colocasse em meu caminho. Eu não pensava que teria que matar para sobreviver ou em nenhuma outra das partes complicadas de ser um vampiro. Eu sabia que não precisaria me esconder da luz do sol e que instrumentos religiosos apenas me irritariam. Madeira seria perigosa, mas só quando realmente estivesse próxima ao meu coração. Pouquíssimo me perturbaria, eu era um sacrifício, não uma vampira comum e eu havia sido treinada para ser uma das melhores e mais talentosas vampiras. Eu não tinha motivos para hesitar.
Em algum momento, me peguei bocejando. Me belisquei, para me manter de pé e no lugar certo e foi nesse momento que minha mãe terminou os desenhos no chão. Já era noite. Ela estava suja de terra e o corte em seu braço havia ensopado o pano que usara para estancá-lo. Parecia selvagem. Ela encarou a lua para determinar as horas e eu fiz o mesmo. Um pouco depois das 20h.
- Katerina. - Ela disse me encarando com os olhos da mesma cor que eu - Vá até a sala e pegue uma adaga purificada. Não apague os desenhos ou encoste em mim.
Eu fiz assim, com todo cuidado e quando voltei ela mandou que eu fosse até o centro do desenho outra vez.
- Faça os cortes. Os que toda bruxa sabe fazer.
- Eu não posso cortar a mim mesma. - Respondi, achando a ideia uma loucura.
- Sim, você pode. Eu treinei você para isso. Alcance os lugares certos e se deite com a adaga sobre o coração quando terminar. E não esqueça de dizer o feitiço que te manterá consciente. Não correrei o risco de sujar você com meu sangue e estragar meu trabalho de dez anos. - E então ela disse a última coisa que me disse em vida, com um brilho sanguinário no olhar e a intensidade de alguém que viveu uma vida por um único objetivo: - E não ouse derramar uma gota de sangue no lugar errado.
Com a obstinação que vinha treinando há horas, usei a adaga para fazer os cortes. O primeiro doeu como um corte de papel. O quinto, como uma mordida. No décimo terceiro, eu já havia me esquecido da dor, tão entorpecida que só me preocupava com atingir a profundidade certa. Eu não gritei, ou interrompi o canto. Conforme me deitava e colocava a adaga sobre meu peito, arrumando meu corpo no lugar certo, me dei conta de que antes daquilo eu nunca havia derramado uma gota de sangue na vida. Eu sempre fora protegida, primeiro pela Morte, depois pelo Inferno.
É realmente algo interessante, perder todo o sangue do seu corpo estando consciente disso. A dor dos cortes profundos se desfaz aos poucos e é substituída por uma sensação de tontura que toma conta do seu corpo. Depois disso, eu deveria ficar inconsciente, mas essa misericórdia nunca me foi concedida, graças ao feitiço. Eu senti cada parte da luta do meu coração para manter meus órgãos funcionando. Tentei usar o que sabia sobre qual deles pararia primeiro para me distrair, mas minha mente estava além de qualquer esforço. Minha vida estava se esvaindo com meu sangue. Minha alma começou sua agonia desde então.
Minhas veias já se arrastavam como lixas produzindo uma dor que eu não era capaz de exteriorizar, quando a meia noite chegou. Era finalmente meu aniversário e eu estaria respirando há 10 anos dentro de 3 horas. Cada batida do meu coração me sufocava com dores insuportáveis e intraduzíveis para quem nunca a sentiu. Eu me lembro do primeiro som de estalo agora, mas sei que passou despercebido por meu corpo praticamente inanimado. Até mesmo os sibilos que vieram em seguida, tomando conta da floresta pareceram mais um sonho.
- Katerina. - Meu nome foi sibilado pelo exército de bruxas Petry que surgiam da terra a minha volta.
A Dança da Morte começara para a garota que não só brincou com a Morte, como a venceu em seu jogo. Era uma Danse Macabre composta apenas para mim. Mi Totentanz. A Morte estava vindo reclamar o que a havia sido jurado. Não fazia ideia do tempo que eu já pertencia ao Inferno. Eu senti sua presença se aproximar devagar de mim, tentando me alcançar, e eu desejei ser levada. Eu desejei pertencer a seu reino. Eu consigo me lembrar do frio de sua sombra se aproximando de mim. Mas os esqueletos, o exército que deveria me levar em seus braços, nunca conseguiu se aproximar de mim o suficiente. Seus corpos sem vontade própria eram destruídos por fogo assim que pisavam nas poças de meu sangue, causando pequenas convulsões. Eu queria chorar, mas a água já seguia o mesmo caminho do sangue.
Quando a meia noite acabou, e a Danse com ela, a lua cheia desapareceu, deixando a noite escura. Foram mais duas horas de escuridão completa e dor inenarrável. Eu era a batida do meu coração, porque ela era tudo que restara de mim. E então, 3 da manhã.
Eu não consigo me lembrar o que aconteceu na hora exata, mas eu sei que algo aconteceu. Alguma coisa existiu entre a dor e a clareza. Eu não consigo lembrar de morrer, assim como não me lembro de nascer. Mas o renascer vampiro é algo único. Aquele momento de silêncio que volta com uma clareza mental única, e a sensação de respirar o ar puro pela primeira vez.
E então a sede. Profunda e cortante a ponto de fazer com que você esqueça de que todo aquele sangue em volta era o seu próprio.



Obrigada pelo melhor Mês Literário até agora,
Vejo vocês logo, logo
G.