Antes de começar, eu quero deixar os dados básicos sobre mim. Meu nome é CHLOE. C-H-L-O-E (algumas pessoas conseguem escrever isso errado). Eu tenho 14 anos. Moro em uma cidadezinha fora do mapa no interior de um país da Europa, chamada Forêt. E, eu sou uma fada.
Sempre que eu falo sobre mim e digo essas quatro palavras – e sim, é permitido as fadas contar aos humanos sobre a nossa existência, na maioria das vezes eles não acreditam - a reação é sempre a mesma:
- O QUE VOCÊ DISSE? – E então eu repito. – ISSO É ALGUM TIPO DE BRINCADEIRA, NÃO É? – Aí eu discordo – COMO ASSIM VOCÊ É UMA FADA?
E a resposta é: Uma fada. Com a parte da magia, do trabalho duro, do treinamento de fadas. E sem todo aquele glamour, asas e varinhas de condão – especialmente as varinhas. Mas, por mais que isso cause choque, fadas existem. E sim, nos somos responsáveis pela manutenção dos fenômenos da natureza, como por exemplo, a mudança de estações.
Mas antes de falar sobre isso, comecemos do inicio. As fadas existem desde o inicio da humanidade. Somos como humanos. Nós nascemos, crescemos, nos reproduzimos e morremos. Vivemos em sociedade, até com humanos às vezes. A única diferença é que você nasce com poderes e que tem que utiliza-los para ajudar na manutenção dos fenômenos do planeta. E se um dia você tentar se esquecer disso, o espectro de cores nos seus olhos vai lembrar você de que é um ser místico. Nos não temos uma cor de olhos apenas. Temos todas as cores que os olhos humanos podem ter. É a principal forma de identificar uma fada.
Durante os primeiros 13 anos da vida de uma fada, nós somos quase como humanos normais, com a exceção dos poderes, que quase nunca podem ser usados - apenas em festas de famílias e na festa de celebração do fim do inverno (mais sobre isso depois) – já que nós não somos treinadas para usar os poderes. Fora disso, nós frequentamos a escola normal e agimos quando crianças normais.
Mas quando completamos 13 anos, tudo muda total e completamente. É nessa idade que nós vamos para uma escola de treinamentos e aprendemos mais sobre nossos futuros trabalhos, como fadas. A maioria das fadas se transformava em uma das pessoas responsáveis por manter a ordem natural das coisas em sua cidade ou vila, mas agora, com o grande número de fadas dispersando para os países que mais precisam de recursos naturais, a Ordem de Fadas precisou de uma forcinha pra poder manter funcionando naturalmente. A Ordem de Fadas é o grupo responsável por cuidar das maiores mudanças na natureza: a troca de estações certa de. São elas que fazem as plantas nascerem no lugar certo, para tomar a quantidade luz no verão, ajudam as frutas a nascerem e permanecerem vivas em quantidade suficiente para os animais fazerem reservas no outono, ajudam as flores a florescer onde isso é mais difícil, durante a primavera e mais importante, mantêm o funcionamento de tudo, enquanto a Terra descansa no inverno. Um fato pouco conhecido, - bem, não para fadas - é que durante o inverno – 3 meses no hemisfério sul e 3 meses no hemisfério norte, opostamente – o planeta entra em repouso, hibernando, junto com alguns animais. E então as fadas entram em ação para garantir que tudo fique pronto para quando o planeta voltar do repouso para a estação em que mais trabalha, a primavera. Bem, essa parte é mais fácil de entender na prática. Mas em resumo, as fadas só existem para manter o equilíbrio em relação a destruição causada pelo ser humano. A natureza funcionaria perfeitamente se as pessoas não se intrometessem nesse perfeito funcionamento. Nós fadas, somos como a imagem dos humanos refletida em um espelho, igual, mas exatamente oposta. Nós somos o Yang do Yin deles – de vocês? – em relação a natureza. Só que como o número de fadas diminuiu muito, especialmente após as revoluções industriais e as guerras mundiais (destruição da natureza, igual a menos fadas), o equilíbrio se torna cada vez mais difícil de ser mantido.
Mas não é sobre nada disso que eu quero falar, e sim sobre o meu primeiro “Último dia de Inverno”.
O Festival do Último dia de Inverno acontece em todas as escolas de treinamento de fadas, no último dia do inverno (dã). Nesse festival todas as fadas da Ordem, vão para a escola em que foram formadas, comemorar meses de trabalho e a chegada da primavera. É uma das ocasiões em que menores de treze anos podem usar seus poderes, e as alunas das escolas de treinamento tem a chance de mostrar o que aprenderam através das competições, e concorrer a uma vaga antecipada na Ordem de Fadas. Todo ano, todas as fadas estudantes, entre 14 e 21 anos, competem nos Jogos de Fadas do Último dia de Inverno, para ter a chance de entrar pra Ordem de Fadas antecipadamente. É um sonho pra maioria de nós, mas é muito difícil conseguir entrar. Nem sempre há uma vencedora. Mas eu precisava vencer.
Já comentei que eu fui criada em um orfanato? É, acho que não. Bem, só até meus 7 anos, quando uma fada chamada Lily me encontrou e me trouxe pra a Escola de Fadas de Fôret. Ninguém sabe minha origem - nem mesmo eu, sempre que eu perguntava, diziam que eu simplesmente surgi - mas todos sempre me trataram como tratam qualquer uma das crianças (geralmente filhas e filhos de fadas da ordem) que crescem em uma escola de treinamento. No ano em que eu fiz 13 anos, eles me ingressaram oficialmente na escola, e nesse ano, eu pude participar do Festival como competidora pela primeira vez.
No madrugada antes do Festival, eu estava na floresta treinando para a Competição, como em todas as madrugadas anteriores, quando ouvi um barulho atrás dos arbustos. Fadas podem sentir qualquer ser vivo em um raio de 500 metros então eu fiquei surpresa ao me dar conta que não conhecia a energia da pessoa que estava andando pela floresta àquela hora. Ao me virar eu dei de cara com um garoto – obviamente uma fada, apesar de ter me surpreendido com isso.
- Oi. – Ele disse do nada, me fazendo dar um salto pra traz.
- Oh, olá. – Eu disse, sorrindo, após me recuperar do susto.
Enquanto ele se inclinou numa reverencia estranha, eu prestei atenção nos detalhes sobre ele. Ele era um pouco mais alto que eu e parecia ter minha idade, o que era perfeitamente normal, com o festival tão próximo. Mas se ele estudasse na ala de garotos da Escola de Fôret, eu teria reconhecido a energia dele ao se aproximar.
- Meu nome é Nate. E o seu?
Ele tinha sotaque. Eu não sabia dizer de qual parte da Europa, mas era um sotaque claramente europeu. Era uma informação importante já que o nome não ajuda muito. Fadas da Ordem colocam nomes de todas as partes do mundo em seus filhos.
- Chloe. – A curiosidade estava me roendo, então eu perguntei - Quem exatamente é você?
- O que quer dizer com isso?
- Bem, eu moro aqui desde os sete anos e não conheço você. Ou sua energia. Então você não é daqui.
- Então a pergunta certa, não seria “de onde você é?”?
- Uma pergunta engloba a outra. Quem você é diz muito sobre de onde você veio. – Eu dei de ombros.
- Então, quem é você?
Eu cruzei os braços.
- Eu perguntei primeiro.
Ele riu.
- Eu sou um viajante. Um fugitivo, na verdade.
Nate se virou de volta para o arbusto, o que me vez ficar na ponta dos pés, curiosa.
- E um fugitivo de onde? – Perguntei.
- Uma escola de treinamento. Uma longínqua...
- De onde?
Ele se virou de repente, ficando bem em frente a mim.
- Você não acha que anda perguntando demais e falando sobre si mesma de menos?
- Não. Não acho. Você sabe que meu nome é Chloe. E que eu sou de Flôret. Você é que é o viajante misterioso que surgiu na floresta atrás de mim durante a madrugada e não está falando muito sobre você.
Ele deu de ombros.
- Bem colocado. Mas eu tenho a leve impressão de que ser misterioso fará você se aproximar mais de mim.
Eu fiquei vermelha. Muito vermelha. Como um pimentão maduro. Não me pergunte por que, afinal eu já passei por situações muito mais constrangedoras, mas eu fiquei tímida. Mesmo assim, voltei ao normal rápido.
- Ou fugir correndo, por você ser um desconhecido.
Eu me virei e comecei a andar em direção a Escola.
- Você é curiosa demais pra se afastar assim, Chloe. – Ele disse com a voz já a distancia.
- Você não sabe nada sobre mim.
- Eu sei o suficiente. Você não vai se afastar do mistério.
- Observe-me. – E simplesmente saí de cena.
Eu não consegui dormir a noite (fere meu orgulho dizer isso, mas é a verdade). Eu fiquei encarando a janela e pensando. Como ele sabia que ser misterioso faria com que eu passasse mais tempo pensando e grudada nele? Não é só curiosidade. Eu odeio ser ignorante sobre algum assunto. Eu sempre digo que a única boa ignorância é a ignorância sobre a ignorância. E quando um garoto misterioso - e bonito (AI MEU ORGULHO!) - surge na minha frente, eu preciso descobrir tudo sobre ele antes que eu morra de curiosidade.
Eu sabia que Nate sabia que eu estava pensando nele. Afinal fadas podem se conectar com a energia de qualquer ser vivo e como pensamentos são energia, a dele estava impregnada na minha até os ossos. E eu não me importava, eu não fazia o mínimo esforço pra parar de pensar nele (certo, eu não tenho orgulho nenhum). Talvez se ele sentisse o quanto eu estava curiosa sobre aquilo ele deixasse de ser tão mau e falasse logo sobre si mesmo. Mas provavelmente não. Eu me virei na cama. Se eu não ouvia o que ele estava pensando ele provavelmente não estava pensando em mim. E porque não? Eu estava pensando nele. Será que ele estava tão concentrado no que eu estava pensando que não estava pensando em nada? Se fosse isso ele provavelmente estaria rindo naquele momento. Eu nem sabia mais o que pensar. Eu enfiei o travesseiro no rosto, tentando dormir, mas nesse momento o sinal pra acordar tocou e fomos convocadas para levantar.
Como era o ultimo dia do inverno, nós acordamos antes do sol nascer já que as festas começam quando ele nasce. Temos o horário do café da manha e do banho como todas as manhãs e depois seguimos para o bosque atrás da Escola para o festival. Como a cidade toda participa dele, já estavam todos lá quando as estrelas - as fadas competidoras e as fadas da Ordem - chegaram. Os aplausos - que eu já estava acostumada a ouvir, mas não direcionados a mim - me deixaram um pouco tonta, mas logo foram silenciados pelo assobio de Janie, a diretora da Escola de Treinamento de Fôret. Ela começou o "discurso oficial de inicio aos festejos":
- Cidadãos de Fôret! Mais uma vez nos reunimos aqui para dizer "Olá" a natureza enquanto ela desperta. Para celebrar o sucesso dos trabalhos feitos por nossa Ordem e para testar tudo que nossos futuros defensores aprenderam. Mas principalmente para comemorar mais um ano de vida!
Então, como sempre, todos gritaram. Eu nunca gostei dessa parte. Mas o que vinha em seguida sempre tirou meu fôlego. Primeiro, todos nós olhamos para o horizonte. Então o sol começa a surgir e iluminar o grupo. Nossos olhos, que possuem todas as cores possíveis, refletem a luz aos poucos até que todo o grupo esteja iluminado por uma luz branca intensa. Nesse momento geralmente, as crianças suspiram e dão gritinhos de animação se movendo e fazendo com que a luz se mova com elas, mas isso não atrapalha em nada, porque quando isso acontece a luz reflete nas gotas de orvalho presas nas arvores e formam pequenos arco-íris. Então a admiração aumenta e a magia do momento (soa como um trocadilho?) finalmente é quebrada.
Quando o tradicional burburinho aumentou, Janie assobiou outra vez e começou as recomendações:
- As barracas e as oficinas de treinamento e aperfeiçoamento estão abertas a partir de agora. Crianças, não se afastem dos seus familiares. A comida, como sempre, esta por sua conta e risco. - então ela sorriu - A música e a magia continuará até que o sol se ponha, e então saudaremos a nova estação.
Então o grupo ficou tenso. Janie se virou para o grupo inquieto de competidoras e competidores no seu lado esquerdo e tudo tomou um ar dramático. Eu achava aquilo um exagero antes, mas naquele momento estava tão nervosa que o olhar da diretora fez meus pelinhos saltarem.
- Como sempre as competições começam ao meio dia em ponto. Exatamente quando o sol estiver no meio do céu, todas vocês devem estar no lugar em que foram posicionadas durante os treinamentos. Qualquer fada que se encontrar fora do seu lugar, está automaticamente desclassificada. As regras são conhecidas, mas mesmo assim, as repetirei.
“O objetivo é ser a única a estar em cima do Monte das Selenitas quando a lua nascer. Para alcançar o objetivo, vocês podem usar todos os seus poderes e seus conhecimentos. Desclassificação automática caso qualquer parte da natureza, não participante do Jogo, sofra qualquer dano. Não ataquem uma fada já machucada até que ela se regenere. E não usem seus poderes exageradamente.” Ela deu uma olhada em volta do grupo “Alguma dúvida?”
O dia parecia mais escuro, apesar de o sol ter acabado de nascer. Um vento gelado percorreu todos nós fazendo alguns soltarem gemidos. Aquilo tudo era obviamente criado por Janie. Eu simplesmente não me movi e encarei Janie diretamente. Durante meio milésimo de segundo, eu a vi piscar para mim, mas logo depois passou.
- Sendo assim, - Ela disse arrumando os óculos – Boa sorte a todos.
Mais uma vez aplausos e estávamos liberados, até 12h para fazermos o que quiséssemos. Eu olhei em volta. Não havia nada de interessante por ali, por enquanto, como sempre. Então eu simplesmente adentrei a floresta.
No momento em que os sons do festival ficaram para trás, eu entrei no que a minha Treinadora de Atividades em Campo chama de "Modo Chloe de Concentração". É como se só existisse a mim e a natureza em volta. Nenhum ser não-vivo, entra no meu campo de concentração. Sou só eu e a energia viva em volta de mim. E aquela era a minha ultima chance de treinar para a Competição, então eu corri.
Vencer a Competição e me tornar fada da Ordem sempre foi uma questão de honra pra mim. Por motivos simples: Primeiro, não existe nada que me prenda em Forêt. Em 7 anos na cidade, eu não criei raízes, ou me aproximei de alguém. Eu tentei, não me julguem, mas as pessoas não quiseram se aproximar da garotinha-orfã-que-apareceu-do-nada e essa garotinha cansou de ser ignorada e resolveu se dedicar em descobrir quem é. E essa é a segunda razão. O mistério sobre mim, chega a me tirar do sério às vezes. Eu nem sei mesmo se meu nome realmente é Chloe. Ou porque meus pais me deixaram pra trás quando eu nasci - em meio a humanos (!) e não em uma escola de treinamento como pais fadas normais. Como eu posso odiar tanto a ignorância se eu ignoro a maior parte dos fatos sobre mim mesma? A Ordem me daria a oportunidade de descobrir mais sobre meu passado enquanto eu viajaria pelo mundo ajudando a natureza. A terceira razão é o fato de que é isso que as pessoas esperam de mim. Elas esperam que eu vença e seja uma fada da Ordem aos 14 anos porque foi pra isso que eu fui destinada. É pra isso que eu me preparo desde antes de começar a estudar oficialmente na Escola de Fadas. Não sei se é porque querem que eu vá embora logo, mas eu posso sentir a pressão pra que eu vença. Até mesmo fora da Escola, na cidade, desejam isso. (Bem, não as minhas adversárias, mas o resto da cidade) E eu simplesmente não quero decepcioná-los. Eu posso não gostar da maioria deles, mas eles me acolheram quando eu era uma criança, nada mais justo do que eu retribuir isso e vencer.
Eu estava tão distraída lembrando a mim mesma os motivos para vencer a Competição, que nem me dei conta de quando cheguei ao topo do Monte da Selenita. O Monte da Selenita é um pequeno morro criado pelas fadas atrás de cada Escola de Treinamento, na cerimonia que autoriza as escolas a funcionarem. A energia das fadas é tão intensa que quando tantas - ainda mais na puberdade - se reúnem em um lugar só, é necessário que parte da energia seja canalizada para algum lugar e esse lugar é o Monte. Ele tem esse nome porque quando a luz da lua se mistura a energia das fadas, varias selenitas - as pedras da lua - são formadas. O lugar foi escolhido como ponto de chegada da Competição, por ser o primeiro lugar que a lua ilumina quando chega a primavera. E a fada que está lá em cima é a primeira a sentir a energia da natureza em volta acordando. A simples ideia de ser essa fada me fazia ficar tonta.
Quando percebi que eu estava no topo do monte, eu olhei em volta e tentei calcular meu tempo, mas a chegada da energia dele me tirou a atenção.
- 10 minutos e 56 segundos. - Ele disse quando me virei e o vi encostado em uma arvore tranquilamente - É um ótimo tempo, sem obstáculos ou alguém pra impedir você. Você precisa guardar território, Chloey. Eles vão atacar você.
- Não me chame de Chloey. - No momento em que eu disse isso, eu me senti estúpida. Mas no momento seguinte, eu não liguei mais. Eu nem conhecia ele afinal, eu tinha outros objetivos em mente.
- Mas isso não impediu você de perder o sono pensando em mim essa noite. – Ele disse, depois de ouvir o que eu pensei -De que você quer que eu a chame?
Ignorei o primeiro comentário e cruzei os braços.
- Chloe. É meu nome não é?
- É, mas... Você não tem nenhum apelido?
Eu pensei um pouco. Desde que eu me entendo por gente as pessoas me chamam de Chloe. Srta. Haunt (um dos sobrenomes que dão a bebes fadas de pais desconhecidos e que me deram quando eu vim para Forêt) as vezes, mas só na escola. Como eu nunca fui próxima de ninguém, ninguém perdeu tempo me dando apelidos. Eu simplesmente dei de ombros.
- Oh. - ele disse parando pra pensar. É claro que ele tinha ouvido o que eu pensei sobre a minha falta de apelidos e estava tentando decidir o que achava sobre isso. Eu continuei o encarando, simplesmente, até que ele disse - Ei, você quer ajuda no treinamento?
Eu ergui uma sobrancelha.
- Você já participou de um Jogo?
- Não. Eu fugi antes disso. Mas meus irmãos participaram.
- Você tem irmãos? - "E mesmo assim fugiu?", foi a pergunta que eu não acrescentei.
- Tinha. Eles morreram em um incêndio na floresta durante o primeiro ano como guardiães da cidade. - ele falou olhando meus pés.
E foi só aí que eu percebi que estava na ponta deles. Me esticar até a ponta dos pés é uma mania que eu tenho quando fico muito curiosa. Eu sei que não faz sentido, mas dizem que é coisa de fada.
- Oh. Sinto muito. - Eu disse quando voltei à pose normal - Foi por isso que você fugiu?
Ele deu de ombros.
- Também. Eu só perdi os motivos pra ficar. Então, eu fui embora. – Ele olhou nos meus olhos – Mas a gente já falou demais sobre mim. Você quer ou não vencer?
Cruzei os braços.
- O que você pode fazer pra me ajudar?
- Eu posso não ter participado de nenhuma Competição, mas eu treinei e ajudei em treinamentos. E... Você tem que estar pronta pra ser atacada também. Treinar não te prepara para os ataques inimigos.
- Eu tenho treinado há um ano. Mais até, contando o tempo que eu treinava antes de ser ingressada na Escola. É claro que eu observei as outras pessoas treinando. Eu conheço a mente das pessoas com quem eu vivo. Eu estou preparada para ataques inimigos. – Disse, colocando ênfase na ultima frase.
- Assim, como outras achavam que estavam. Você treinou da mesma forma que todas as fadas treinam, Chloe. E desde que você mora aqui, qual foi a última vez que você viu alguém vencer? Ou pior, qual foi a última vez que uma fada de 14 anos venceu a Competição em Fôret?
Ele me observou por um minuto inteiro, mas não invadiu minha mente, que estava um caos. Mas eu não movi um musculo. Me recusava a deixar ele saber que eu sabia que ele estava certo. Me recusava a pedir ajuda pra ele. E tudo pelo simples fato de que ele não me contava porque ele estava aqui. E isso era mexer com a minha pior fraqueza de uma forma cruel.
- Ok, eu vou ser justo. Nós competimos. Um contra o outro. Quem chegar primeiro e guardar o lugar por 10 minutos vence. Se você vencer, eu respondo todas as perguntas sobre mim que você fizer.
Eu ergui a sobrancelha. Soava suspeito. Ele continuava brincando comigo.
- E se você vencer? – Perguntei.
- Se eu vencer... Você vai ter que admitir que eu estou certo... E... Me ajudar em uma coisa.
- Que coisa?
- Eu te conto se eu vencer... Agora, você aceita ou não?
Aquilo era jogo muito baixo.
- Aceito! Mas quando eu vencer, você vai responder todas as perguntas. Sem exceção. E com respostas completas. Nada de só “sim” e “não”. Eu quero detalhes.
Ele sorriu.
- SE você vencer, tudo bem. Agora vamos voltar pra sua marca, eu vou achar uma e começar porque a gente não tem o dia todo.
- Ok.
Eu simplesmente fechei os olhos e voltei a correr. Como fadas, seria interessante se houvesse tele transporte ou algo assim entre nossos poderes, mas NÃÃÃO, isso é reduzido a poderes relacionados a natureza e a energia que provem dos seres vivos e blá, blá, blá. E assim, mesmo correndo em velocidade inumana, nós levamos dez minutos pra fazer 17 quilômetros. Eu sorri ao perceber que Nate estava sem folego.
- Você realmente acha que consegue me vencer? - Perguntei, sorrindo.
Ele suspirou.
- Isso é só treinamento. Pra ajudar você, Chloe. A Competição é mais tarde. Não esquece disso ok?
Eu ri, mas no segundo seguinte fiquei na defensiva.
- Mas vamos levar o treinamento a serio, ok? Daqui a exatamente um minuto nós começamos.
Ele deu de ombros e sem dizer mais nada, eu fui até minha marca inicial.
No momento exato em que contei um minuto, eu corri. Corri muito. Como sempre usei a energia em volta pra me impulsionar, e fiquei muito a frente de Nate bem rápido. Mas era obvio que isso significava ataque. E dos fortes.
A bolha de ar que ele mandou me atingiu na orelha esquerda. Me fazendo perder o equilíbrio e a audição no mesmo momento e eu caí sentada. A audição voltou ao normal rápido, apesar de ter deixado um pequeno rasto de sangue pelo meu braço, mas o equilíbrio demorou um pouco mais. Mas enquanto o equilíbrio voltava ao normal eu - aproveitando o fato de sangue de fada poder se transformar em qualquer coisa - transformei o sangue em borboletas que mandei na direção de Nate, o que o deixou atordoado por tempo suficiente para que eu retomasse a dianteira que tinha.
O ataque seguinte foi tão bobo que me fez perguntar se ele não estava guardando alguma coisa realmente séria para o final. Qualquer um que cresceu em Foret conhecia o barulho do rio que existe ao redor da cidade e sabia que o som era constante e só alterado se uma parte da água fosse retirada de lá. Quando Nate tentou jogar água em mim, eu ouvi a mudança no som imediatamente - talvez ele achasse que meu ouvido ainda tinha algum problema depois da bolha de ar, mas ele estava perfeitamente curado - e me desviei do jato que acabou atingindo um pé de amora atrás de mim. Como aquela quantidade de água podia ser um risco a planta, meu primeiro instinto foi de secá-la e por mais que isso me atrasasse foi o que eu fiz. Mas no momento em que eu terminei de secar a arvore um zumbido começou, como se as arvores estivessem conversando uma com a outra. E então, eu ouvi um grito. Quando corri na direção do som, que ainda ficava na trilha até o Monte, vi Nate no chão, atolado em baixo de um pequeno monte de maçãs. Foi então que eu me dei conta e sussurrei:
- O bônus magico!
Todo ano as florestas são encantadas com algum feitiço que favorita as fadas que conseguirem desvenda-lo e usa-los a seu favor. Quando o inverno e os treinamentos começam oficialmente, nós recebemos uma dica de o que é esse bônus magico, mas raramente alguém consegue encontra-lo antes da Competição. E eu consegui. O desse ano era claro: cada vez que você ajuda um ser vivo a floresta ataca um dos seus oponentes te dando uma vantagem única. A dica desse ano - "Siga seus instintos de fada e não de competidora" - fazia todo sentido, já que o instinto natural da fada é de proteger a natureza, mas o instinto natural da Competidora é vencer e isso incluiria deixar a arvore que Nate atingiu correr riscos de morrer já que isso significaria desclassificação automática para ele. Eu estava sorrindo quando passei por Nate e o vi tentando fugir das maçãs que o prendiam cada vez mais.
Só quando eu cheguei a beira do Monte eu senti sua energia se desvencilhar da das maçãs. Eu sabia o que significava. A partir do Monte, não existe mais bônus magico. Existe apenas você, seus oponentes e perigos maiores já que as Selenitas com certeza serão usadas contra você. Mas ainda assim, eu apenas engoli em seco e continuei correndo, pois eu estava muito a frente de qualquer forma. Quando cheguei à metade do monte, eu parei pra pensar em uma estratégia. Nate estava se aproximando e eu cansei de só me defender dos ataques e não atacar. Eu encarei as Selenitas no caminho.
Selenitas são pedras interessantes. Pedras mágicas, que não são preciosas porque são frágeis demais pra serem lapidadas. Assim como as fadas. Não são o principal ser pensante do mundo, porque dependem da natureza que já provou ser frágil na mão dos humanos. Eu me abaixei e peguei uma Selenita na mão. Então prendi a respiração. É obvio que Selenitas possuem energia porque é disso que elas são feitas. Energia da lua e energia de fadas. Mas eu não imaginava que a energia delas fosse tão intensa. Então usei isso ao meu favor.
Esperei Nate se aproximar. Depois de um tempo ele ficou mais cauteloso porque podia sentir que eu estava próxima. Eu sorri, quando ele apareceu.
- O que você ta fazendo? - Ele perguntou com a sobrancelha arqueada.
Abri a mão. Tinha conseguido fazer com que a Selenita se transformasse em uma bola de luz sem calor. Então eu fiz com que todas as Selenitas em volta se transformassem nisso, a partir da energia que emanava da minha mão. Nate ficou surpreso e atordoado. E foi aí que eu joguei todas as Selenitas contra ele. E voltei a correr.
Ele não gritou. Não estava machucado, ou assustado, apenas não sabia o que fazer ou como fugir. E era isso que eu queria.
Quando cheguei ao topo, eu simplesmente me sentei, apoiando as mãos no chão. De acordo com a posição do sol, nós tínhamos levado duas horas naquilo por mais que parecesse menos tempo. Eu suspirei quando a energia intensificada de Nate começou a se mover rapidamente. Ele finalmente achou uma forma de usar aquela energia a seu favor. Mas quando ele chegou ao topo, já era tarde demais. Eu estava lá havia 15 minutos.
- Venci! - Foi o que eu disse levantando e me aproximando com um salto de gato enquanto ele se livrava de toda aquela energia luminosa.
Ele suspirou quando a ultima bola de luz caiu no chão e voltou a ser uma pedra da lua.
- É, venceu. - disse fazendo um bico.
Ele era bonito. Na verdade eu arriscaria dizer lindo. Talvez fosse o fato de ele ainda estar brilhando de energia um pouco ou talvez fossem os cachos castanhos caindo na testa, ou as bochechas que estavam coradas por causa da correria. Mas antes que ele descobrisse que eu estava pensando nisso, eu balancei a cabeça.
- Mas eu tenho que admitir, - Eu disse quando ele se sentou e eu me sentei ao lado - que você estava certo. Um treinamento em dupla ajudou bem mais. E eu ainda descobri o bônus mágico.
- Aquelas malditas maçãs. - Ele disse entre dentes.
Eu ri.
- Aquilo não aconteceria se você não tivesse usado um ataque tão estúpido e acertado a árvore. Quer dizer, usar o rio? Sério?
Ele sacudiu a mão.
- De qualquer jeito, fico feliz de ter ajudado você.
Eu sorri.
- E eu agradeço por você ter me ajudado. - Eu disse, fazendo ele sorrir de volta - Mas eu quero meu prêmio agora.
Ele suspirou outra vez.
- Certo. Promessa é promessa. Mas não seria melhor irmos lá pra baixo, pra não deixar ninguém preocupado?
- Ah, ta tudo bem. Eles sabem que eu estou aqui em cima. - Pior, pensei sem dizer, eles sabem que eu estou aqui em cima com um garoto de energia desconhecida. - Podem sentir.
Ele se deitou na grama.
- Então pode perguntar...
Eu me virei pra olhar seu rosto.
- De onde você é?
- De Moscou. Mas não nasci lá. Apenas vivi lá nos últimos anos.
- Nos últimos quantos anos?
- 5 ou 6 não sei ao certo. - deu de ombros.
- E onde você nasceu?
- Não sei. Apenas disseram que eu surgi, em uma Escola na Inglaterra e então me mandaram pra Holanda, Alemanha e então acharam meus irmãos na Rússia e me mandaram pra lá.
- Porque você se mudou tanto?
- Porque eu sempre fugia. Mas me encontravam e diziam que talvez eu me adaptasse em outro lugar.
- E o que aconteceu em Moscou?
- Meus irmãos disseram que tinham nascido lá, antes que meus pais fossem convocados pela Ordem russa, da qual eles faziam parte, mas quase nunca trabalhavam pois a Rússia é um país bem tranquilo. Na época, minha mãe estava grávida de mim. Mas então, no ultimo dia do inverno em que foram convocados eles não apareceram na Escola. E então eles e eu fomos dados como desaparecidos. Depois disso eu vivi com eles por lá, ajudando nos trabalhos e estudando quando fiz 13.
- E então eles morreram... - Eu disse lentamente.
Ele virou os olhos pros meus. Tentou ler minha mente, mas não tinha nada passando por lá no momento. Então eu recebi as lembranças dele da morte dos irmãos.
- Sim. Foi um incêndio de verão no ano passado. Era algo normal, mas nesse ano atingiu a casa de uma fada que tinha um bebê recém-nascido. Eles eram guardiões da cidade e precisavam fazer aquilo. Salvaram ao bebê, mas não a si próprios. Klaus tinha uma noiva e Enrique ia me ajudar nos treinamentos pra Competição. Ele ia me ajudar a procurar por nossos pais. Mas não pode mais.
Quando eu vi uma lagrima ameaçando rolar pela bochecha dele eu automaticamente limpei com um dedo. Ele me observou. Aquilo era estranho pra mim. Eu não estava acostumada a ter contato com as pessoas. A sentir por elas. A me preocupar. Eu não me aproximava de ninguém e ninguém se aproximava de mim, e eu sobrevivia assim. Mas Nate estava mudando as coisas.
- Sinto muito. - Sussurrei tirando os dedos da bochecha dele.
Ele coçou os olhos.
- Tudo bem. Mesmo. - Ele esboçou um sorriso. - Continue as perguntas.
- Ok. Como você fugiu de Moscou?
- Eu simplesmente arrumei minhas coisas e saí durante a noite.
- Mas eles não sentiram sua energia se afastar?
Ele fechou os olhos.
- Foi isso que fez com que eu fosse pego das outras vezes. Mas por algum motivo não dessa. Ninguém veio atrás de mim. Talvez eles soubessem que eu não aguentava mais viver ali. Talvez eles quisessem que eu fosse. Ou talvez eu só fosse insignificante pra eles.
- Oh. – Eu disse simplesmente respirando fundo.
Ele abriu os olhos.
- Você já considerou fugir daqui? Ir pra algum lugar longe, pensar na vida, descobrir mais sobre seu passado. Só, sumir.
Eu engoli em seco.
- Não. Eu sempre achei que a única forma de sair daqui era pela Competição ou depois de me formar. – Por algum motivo dizer isso me fazia sentir vergonha.
Ele pareceu sentir isso.
- Eu entendo. É a maneira convencional. – Ele disse lentamente. Então se virou e se colocou nos cotovelos pra olhar pra mim – Mas porque você só pensou na maneira convencional? Não tem nada de convencional em você, Chloe.
Eu fiquei vermelha. Foi inevitável. Eu tentei esconder com medo de que ele risse de mim, mas ele nem respirou. Então eu respondi:
- Você está enganado. Eu sou muito convencional. As circunstancias é que não são.
- Então você tenta agir convencionalmente em uma situação não convencional?
- Sim.
- Então você está dizendo que se você tivesse nascido em uma casa normal, com uma família e amigos e não vivido sozinha toda a sua vida você seria como qualquer uma dessas fadas normais de Fôret?
Eu fiquei surpresa pela palavra família ter soado casual pra mim. Geralmente a menção a minha família trás todas as minhas dúvidas à tona. E dúvidas não são coisas com que eu consigo lidar facilmente. Mas eu me foquei na pergunta.
- Não, é verdade. Mas isso não muda o fato de eu ser convencional.
Ele se sentou só pra poder olhar nos meus olhos com mais intensidade. Aquilo era mau. Covarde. Constrangedor. Mas eu não consegui tirar os olhos dos dele.
“Qual é o verdadeiro motivo, Chloe?” ele pensou, fazendo o pensamento vir até mim.
“Já que você tá na minha mente, porque você simplesmente não descobre?” respondi, um pouco petulante.
Ele piscou, mas não alterou a expressão. Então levantou a mão e tocou minha bochecha.
- Porque eu quero que você diga. Quero que confie em mim.
“O que ele está fazendo?” foi o pensamento que circulou pela minha cabeça durante um tempo. Então ele colocou uma mecha do meu cabelo atrás da orelha.
- Eu não sei, tá bom? – Quase gritei. Então eu me virei e abracei as pernas, deixando o cabelo cair no meu rosto – Eu não sei por que eu quero o caminho convencional. Porque eu não pensei em outra opção. Eu simplesmente segui a onda. Me desculpa se eu não sou uma rebelde como você.
Ele se assustou com a minha reação. Mas eu não podia controlar. Ele estava causando sensações estranhas em mim.
- Chloe. - ele disse pausadamente - Eu sinto muito, eu não quis que você ficasse assim.
Eu respirei fundo e me virei pra ele.
- Ta tudo bem. Eu só tive uma reação exagerada.
Ele balançou a cabeça.
- Você não acha que a gente devia ir para o Festival?
Eu já estava recuperada.
- Você não respondeu todas as perguntas que eu queria fazer.
- Eu sei falar lá em baixo também. - então se levantou e estendeu a mão para mim - Vamos?
Eu aceitei a mão dele e me levantei.