Boa noite, universo!!! Feliz Mês Literário! Para os novos leitores que não sabem: julho é o mês literário do QaMdE, o que em resumo quer dizer que esse mês é todo sobre literatura. Entre resenhas, contos e posts sobre escrever e ler neste mês nós não falaremos sobre nada além de literatura. Então, se você não gosta, pode voltar em agosto.
As diferenças entre o mês literário do ano passado e o deste ano são apenas duas: como eu não estou participando desta edição do Camp NaNoWriMo não teremos aquela atualização semanal de a quantas anda o Camp e também não teremos um capítulo de As Crônicas de Kat por semana. Na verdade, este ano eu não estou prometendo nada para o mês literário deste ano, só que só falarei sobre literatura mesmo. Eu acabo de ter um dia totalmente produtivo e cheio de inspiração, mas que veio depois de uma semana inteira de bloqueio criativo e de um mês inteiro de baixíssima produtividade, então eu não vou me animar dizendo que eu vou escrever pra caramba esse mês, sendo que não tenho como saber. (WOW, eu sou um exemplo. Meus leitores devem me amar).
De qualquer forma, este mês começa com um conto. Quem me ouviu falando sobre o conto que eu queria escrever sobre o Rio de Janeiro o ano passado provavelmente deduziu isso ao ver o nome do post (ou já sabia porque viu o link do Facebook). Eu não postava contos desde dezembro de 2013 (sinto muito pelo final desse último conto, inclusive, e pela formatação dele também), então eu não me lembro direito como as pessoas costumavam reagir quando eu postava contos no blog e o público que eu tenho hoje em dia é bem diferente do daquela época. Além disso, é minha primeira história com narrador masculino e é um romance bem simples com o Rio de Janeiro como plano de fundo. Resumindo: eu não faço ideia de se as pessoas vão ler, gostar e comentar e pra falar a verdade estou bem ansiosa a esse respeito. De qualquer forma, aqui está: Infelizmente, Rio, eu te amo.

Essa foto só está aqui para dividir espaço e ficar bonitinha no link do Facebook mesmo.

Eu conheci Laura no primeiro dia de aula do ensino médio. Ela estudava comigo e era filha do professor de física. Ele a chamava de La e para mim soava exatamente como o tipo de nome que ela deveria ter: uma nota musical. Laura parecia completamente composta de música. E quando ela jogava o cabelo para o lado e sorria para cada um dos presentes, meu estômago se transformava na própria Marquês de Sapucaí.
O sambódromo, aliás, foi um dos muitos lugares que me forçaram a conhecer com ela ao meu lado. Não que tenha sido um sacrifício, nunca. Mas se a professora de história não nos tivesse mandado conhecer cada ponto turístico da cidade e nos separado em duplas, eu nunca teria atravessado a sala para sentar ao lado dela. Eu estava pensando no primeiro dia, enquanto a esperava no último. A forma como ela se virou para mim, devagar, impedindo que qualquer fio de cabelo cobrisse seu rosto. Ela não estava usando os óculos aquele dia e o sorriso que portava do início ao fim da aula não desapareceu quando seus olhos me reconheceram. Ela sorria para todo mundo, o tempo todo. Mas não de uma forma falsa, do tipo “Quero agradar todo mundo”. Era apenas uma parte da personalidade dela. Uma mania. Algumas pessoas roíam unhas ou batiam os pés, ela sorria.
Eu lembrava dos primeiros dias com ela enquanto esperava ela na mesa do café, pela última vez. Eu não sabia que era a última vez, é claro, mas não havia como não pensar em retrospecto já que era o último dia letivo do 1º ano e aquela sensação de “muito já foi e muito ainda está por vir” estava muito presente em meu organismo. Pensei na forma como ela ficou totalmente chocada quando eu disse que já conhecia todos aqueles pontos turísticos, mas os detestava todos.
- Como você pode não gostar do Rio? - Mesmo decepcionada havia um sorriso em sua voz.
- 3 coisas: violência, desigualdade social e calor. - Eu também disse isso sorrindo porque não dava para não sorrir perto dela.
- Você basicamente está dizendo que odeia o mundo inteiro. Não existe um lugar no mundo que não tenha essas três coisas.
- Mas eu sinto que o Rio não tem nada além disso.
- Então esse trabalho foi feito para você.
Ela tomou o mapa das minhas mãos e marcou os lugares que mais gostava e os que precisava me mostrar. Passei o resto da nossa primeira reunião depois da aula, a observando tão concentrada que por alguns segundos seu sorriso desaparecia. Ela era linda, sem esforço nenhum. Nunca soube se era ela o tipo de garota que tinha consciência do quanto era bonita, mas eu sabia que várias garotas ficavam muito conscientes de si mesmas na frente dela.
O primeiro lugar que nós fomos foi a Quinta da Boa Vista. Ela queria me provar que o Museu Nacional e o Rio Zoo eram tão bons quanto os de qualquer outro país do mundo. Eu rebati que ter uma versão nacional de dois dos passeios mais entediantes do mundo não era conquista a se exibir. Mas a verdade é - e eu juro que admiti isso para ela depois de algum tempo - eu me diverti muito naquela tarde. Ela conhecia o melhor caminho, as melhores lanchonetes e até alguns funcionários que nos deram as melhores dicas para aproveitar os passeios. E no fim do dia, ela fez algo que depois se tornou tradição a cada dia dos nossos passeios: me levou no melhor lugar para ver o pôr-do-sol.
No segundo dia, uma briga das grandes em casa (não consigo me lembrar sobre o que foi daquela vez) tomou minha manhã inteira, me impedindo de ir para a escola. Ainda assim às 14h, Laura estava na minha porta, com dois ingressos para o Cristo Redentor nas mãos, dizendo que pediu ao pai para comprar com antecedência para que nós não perdêssemos tempo precioso na fila.
- Muita gente acha ruim que o passeio ao Cristo seja só subir e ficar olhando a vista, mas ninguém pensa o quanto deve ser legal fazer outras coisas naquela vista. Pintores, escritores e músicos matam para poder fazer arte em um lugar inspirador, mas ninguém nunca lembra quão inspirador aquele lugar é. – Ela dizia isso enquanto a gente subia os elevadores e escadas rolantes.
Já lá em cima, ela me levou pela mão até a parte da frente do monumento - aquela descida que dá frio na barriga aos mais medrosos. Depois de admirar a vista em silêncio por alguns minutos, ela abriu a mochila e tirou uma tela e um cavalete portátil de dentro e começou a montar seu local de trabalho. Eu, que sempre achei falta de educação ficar bisbilhotando o processo criativo dos outros, fiquei apenas observando o Rio de Janeiro lá de cima, odiando-o por odiar minha própria vida miserável. Eu me convencera, em 15 anos de vida, que sair do Rio era a única forma de sair da bagunça que era minha vida. Reclamar da cidade faria parte de quem eu era.
- Um pouquinho para a direita. – Ouvi Laura dizer depois de um tempo.
- O quê? – Disse me virando para olhar para ela.
- Vá um pouco para a direita. – Ela repetiu, apertando os lábios (mas ainda sorrindo) - Quero brincar com a luz um pouco.
Franzi o cenho.
- O que você está pintando?
- Você verá. Agora vá um pouco para a direita e continue encarando o Rio de Janeiro dessa forma introspectiva.
Eu fiz isso, mas dessa vez parei de pensar nos meus problemas e foquei na cidade. Tentei ver a cidade da forma como Laura via. Foi complicado no começo, mas aos poucos me livrei de meus próprios preconceitos contra a paisagem que contemplava. É uma cidade bonita. Bonita não, maravilhosa. De gente batalhadora e cultura extensa. Nós nos orgulhamos de ser uma cidade que combina natureza e urbanização e mesmo que grande parte das vezes a primeira acabe perdendo, até suas tentativas de continuar a reinar no meio do caos da cidade grande continuavam a ser poéticas. Lá de cima, do Cristo, é tão fácil se sentir pequeno em comparação à imensidão do Rio de Janeiro.
Quando o sol começou a se pôr, com o monumento já quase vazio, Laura colocou o pincel de lado e me puxou pela mão até o outro lado da vista, para ver o fim do dia. Eu ia perguntar sobre a pintura, mas com ela ainda segurando minhas mãos enquanto encarava o horizonte, as palavras foram sumindo até um silêncio encantador tomar conta da minha cabeça. Ficamos lá pelo que poderia ter sido um minuto ou uma eternidade. Quando o sol finalmente sumiu e nós tivemos que ir embora, ela disse que estava escuro demais para que eu visse o quadro e que me mostraria em uma ocasião melhor. Eu me sentia tão bem que nem discuti.
As outras semanas do projeto foram do mesmo jeito: enquanto eu odiava cada vez mais a minha casa, eu aprendi a amar o Rio, enquanto me apaixonava por Laura. Ela me levava a praias, a monumentos, a igrejas, a shoppings, a cada um dos lugares preferidos dela e até a lugares que ela ainda não conhecia. E no fim da tarde sempre íamos ao melhor ponto para ver o pôr-do-sol e apenas o observávamos, em silêncio. Eu costumava chegar em casa com sono demais para ouvir as brigas e feliz demais para me deixar afetar pela atmosfera carregada da minha casa. Laura faria qualquer coisa ser suportável com apenas um sorriso. E isso ela tinha de sobra.
No último dia antes da entrega do trabalho, nós deveríamos nos reunir para escrever um relatório sobre os passeios que fizemos, mas ela não queria terminar aquilo de qualquer jeito:
- Escolha seu local preferido de todos os nossos passeios e nós nos reuniremos lá. Além disso, levarei uma surpresa.
Escolhi a Praça XV e quando ela perguntou o porquê fiquei morrendo de vergonha em admitir que era aquele o lugar onde conversamos por mais tempo. O sorriso que ela abriu ao ouvir essa frase não poderia ser descrito nem se a língua portuguesa tivesse meio milhão de palavras que fossem sinônimos de maravilhoso.
Ela apareceu na hora em que marcamos, com algo embalado em papel pardo. Nem me lembrava mais da pintura que ela fez de mim no Cristo. Quando ela desembalou o quadro, não sem me pedir antes uma opinião sincera, eu senti meu estômago dar voltas. Ela capturou todos os raios de sol que refletiam no meu cabelo, e cada nuance de cor em meus olhos, particularmente tristes, para não falar sobre a paisagem lá embaixo – prédios e praias do Rio de Janeiro, pintados em preto e branco em frente à minha figura e em colorido atrás de mim.
- Não gosto desse silêncio. – Ela disse, o sorriso desaparecendo.
- É um silêncio maravilhado, La. – Me apressei em dizer, odiando a ideia de qualquer coisa eclipsando o sorriso. – Nunca vi nada tão cheio do mais puro talento em toda minha vida.
- Também não exagera. – O sorriso voltou, mas ela olhava para o chão. – Eu estava pensando que talvez poderíamos levar isso, ao invés de um relatório, para a professora. Claro que deveríamos escrever um relatório também, por segurança, mas eu achei o quadro uma ideia mais criativa.
- Claro, ótima ideia. – Disse tentando esconder a decepção em minha voz. Eu pensei que ela fosse me dar o quadro de presente, ou ainda melhor, manter para si. A ideia de dividir aquilo com o resto da turma parecia tão errada para mim.
Mas não fiquei pensando muito nisso. Ela segurou o quadro de lado e se aproximou para me beijar depois disso.
- Graças a Deus, você retribuiu. – Disse sorrindo, depois – Estava me perguntando se isso tudo tinha significado para você o que significou para mim.
Voltei para casa com um sorriso estúpido no rosto e no dia seguinte, com todo orgulho, apresentamos o quadro dela como nosso trabalho final. A professora adorou e nós recebemos a nota máxima. Três dias depois as aulas acabaram e eu marquei de encontrar Laura em uma lanchonete, próxima à Praça XV. Aquela foi a última vez que a vi, a tarde que me fez pensar em retrospectiva. Nada naquele encontro deu a sensação de que era a última vez que nos víamos. Era apenas uma tarde normal, como todas as outras em que nos encontramos passeando pela cidade. Comemos donuts e tomamos café enquanto riamos dividindo histórias. Não nos beijamos, mas eu nem me importava. Voltei para casa feliz e acreditando que podia mudar cada aspecto ruim da minha vida.
No dia seguinte, chamei meus pais para conversar e depois de algumas horas de discussões, eles chegaram a conclusão de que precisavam se separar. Depois disso mudei de casa e fui morar com a minha mãe, no mesmo bairro. Depois encontrei um emprego como jovem aprendiz em uma empresa de turismo.
Quase 3 semanas dentro das férias eu me dei conta de que não via Laura desde aquele último dia na lanchonete e que a única forma como nos comunicávamos fora na da escola era na antiga casa. Me senti horrível por ter levado tanto tempo para sentir sua falta, ainda mais considerando que todos os sentimentos maravilhosos que fizeram com que eu conseguisse arrumar minha vida vieram dela e de mais ninguém. A verdade é que a presença dela era algo persistente, que levava muito tempo para se dissipar.
Fui à minha antiga casa e deixei meu novo endereço com os moradores atuais perguntando se uma garota com a descrição de Laura havia ido lá. Eles disseram que não e prometeram que deixariam o endereço com ela caso ela aparecesse. Fiquei pensando se nos veríamos durante as férias, mas não aconteceu. Depois disso, no trabalho eu me pegava pensando nela a cada ponto turístico, lembrando dos nossos passeios e de como ela me fazia bem. E a cada pôr-do-sol, eu lembrava dos seus olhos perdidos e do seu silêncio cheio de significado. Uma frase, que ela disse na mesma tarde em que me beijou, após um dos pôr-do-sóis mais lindos que eu já vi, ficava na minha cabeça sempre:
- A verdade é que infelizmente, Rio, eu te amo.
No primeiro dia de aula do segundo ano, ela não estava lá. Ninguém falava sobre ela ou sobre a mudança do professor de física. Apesar da minha mente pipocar de perguntas, eu preferi não falar sobre ela com ninguém. Preferi manter ela apenas na minha mente. Como um sonho bom.