Eu NÃO resolvi publicar isso no LinkedIn pra caso alguém procure por "perspectivas profissionais em uma pandemia" esse post apareça. Eu jamais atrairia pessoas pra cá pensando que encontrariam algum conforto ou ao menos que dariam algumas risadas, só para encontrar um grande relato sobre todas as coisas que deram errado na minha vida. JAMAIS.

Entenderam? Perspectiva


Eu não quero falar sobre isso, mas eu sinto que vocês merecem saber depois de tanto tempo. Além disso, como eu disse no último post a ideia é compartilhar mesmo que seja desconfortável e mesmo que eu não queira fazer. Então segurem minha mão e vamos lá: Onde nós paramos, eu estava preparando minha mudança definitiva de uma cidade para a outra, menor, onde eu realizaria um trabalho que não era exatamente o que eu sempre sonhei, mas que era a decisão adulta a ser tomada no momento. Eu me sentia bem, pronta e disposta a realizar aquele trabalho, mesmo que menos de um mês antes eu tivesse dito que não queria trabalhar com política. E aí eu fui demitida com um mês.

Eu acho que não importa o quão adulta você se sente, se as suas expressões de maturidade não corresponderem à expectativa das pessoas, já era pra você. Eu senti isso no meu primeiro trabalho e senti de novo no segundo trabalho que me demitiu este ano. Mas nós ainda estamos falando do primeiro: No dia 30 de dezembro, uma semana depois daquele post, eu recebi uma mensagem perguntando se eu estava na cidade (se você ler o post original, vai ver que eu removi o nome da cidade do post. Já é ruim o suficiente que o Diário Oficial da contratação seja uma das primeiras coisas que aparecem quando você pesquisa meu nome completo, eu prefiro não ser mais tão associada à cidade). Eu não estava, mas tinha deixado avisado já no dia 23, que voltaria quando a prefeitura (onde eu trabalhava) voltasse a funcionar, no dia 2 de janeiro. Já que as pessoas que eu amo e a maior parte das minhas coisas estavam em outra cidade, eu ia passar as festas com minha família. Cheguei a perguntar se precisariam de mim antes do dia 2 e avisei que voltaria para a minha cidade, até para organizar a mudança. Ainda assim, o prefeito (meu chefe) havia retornado mais cedo e como eu não estava na cidade, foi me passado assim, por WhatsApp que iam "suspender meu contrato" e eu teria uma chance de me justificar presencialmente no ano novo.

Eu vou poupar vocês das crises de pânico que se seguiram a essa mensagem ou dos dias que me levaram até a aceitação final do que aconteceria. Foi o pior começo de ano da minha vida — e é por isso que os posts tipo "eu dia 1º de janeiro achando que esse seria meu ano" me deixam meio enjoada. Eventualmente, eu acabei aceitando que eu não ia conseguir continuar ali. Se era um trabalho que eu não gostava, porque caralhos eu deveria continuar sofrendo ali, quando poderia estar sofrendo em casa? No dia 3 de janeiro, quando eu fiquei para trás após uma reunião para explicar o que aconteceu e quando minha explicação não foi o suficiente (se outros funcionários adivinharam — ou foram avisados — que o prefeito voltaria mais cedo, por que eu não adivinhei?), eu fiquei resoluta. Esse foi outro ato maduro da minha parte, a forma resoluta como defendi minha posição. O que não foi maduro foi passar os últimos 8 meses torcendo para que tudo desse errado sem mim e quase ter gargalhado feito uma bruxa quando eu descobri hoje que o prefeito em questão não está concorrendo à reeleição e que o meu maior carrasco ali dentro não trabalha  mais ali desde março. Só dá para ser madura até um ponto.

"Realmente coloca as coisas em perspectiva, né?"


Mas é claro que essa demissão me jogou em um furacão de trauma e insegurança que me perseguiu por meses sem fim e que, em partes, ainda está aqui. É o motivo pra eu me sentir tão desconfortável em falar sobre isso. Eu nunca tinha sido demitida antes (apesar de ter me metido em uns projetos malucos que desmoronaram em questão de dias) e aquele tinha sido meu primeiro emprego real fora da faculdade. Por mais que eu soubesse e repetisse a mim mesma que a situação em si não teve nada a ver com a minha habilidade profissional, a sensação de derrota ficou presa ali. Por mais que eu consiga ver com mais clareza nos dias de hoje a minha própria capacidade, meu trauma e minhas incertezas continuam aqui e voltam a tona quando eu preciso me defender profissionalmente. E mesmo que eu acredite em mim mesma e saiba que eu sou boa no que eu faço, uma das minhas maiores ansiedades não é o medo de nunca ser bem sucedida, é o medo de não conseguir me sustentar financeiramente.

O relógio do fim da pensão por morte que minha mãe deixou para mim e para a minha irmã corre e esse seguro deixado por ela vai acabar em 8 meses. É o único assunto da terapia, pra falar a verdade, porque é o que me causa mais medo e dor de cabeça. Eu e minha psiquiatra criamos um plano em fevereiro sobre eu conseguir um emprego de meio período para aliviar essas incertezas, enquanto eu trabalhava nos projetos que realmente tinham mais a ver com minha carreira na outra metade do período. Aí a pandemia veio e os empregos que já não existiam se tornaram negativos. O número de vagas em jornalismo só diminuiu enquanto o número de desempregados aumentou (até o BuzzFeed News Brasil quebrou, gente. Até o BuzzFeed!). Em março, eu ficava triste por ser uma jornalista e não estar na linha de frente da pandemia. Mas em julho, com o comércio reabrindo, eu precisava voltar aos meus planos de conseguir um emprego com urgência ou eu ia perder a cabeça de vez. Jornalismo ou não, era a hora. Foi quando surgiu a oportunidade de um Emprego de Pandemia.

Foi tudo bem rápido: No dia 30 de junho o Itaú precisava de gente para organizar as filas, mantendo os clientes na distância adequada e garantindo que todo mundo seguisse os protocolos de segurança da agência. 6 horas por dia, R$1200 de pagamento com 10% de bônus trabalhando todos os dias. Sem vínculo empregatício. Um salário mínimo? Melhor que metade das vagas de jornalismo da cidade. Eu aceitei quase sem pensar. No dia seguinte, eu já estava trabalhando e tentando aprender os protocolos. Eu estava disposta a dar o meu melhor, não por amar o emprego, mas pra acalmar a parte de mim que estava morrendo de preocupação sobre não conseguir pagar minhas contas. 

E eu fiz tudo certinho. Nem postava na internet sobre com o quê eu estava trabalhando, não por ter vergonha, mas para não correr o risco de publicar algo que "não tivesse a ver com as normas da empresa". Eu deixava o celular guardadinho no armário, ficando até seis horas longe dele e meu estresse refletia mais nos colegas de trabalho do que nos clientes. Eu passei muito tempo dizendo inclusive que eu entendia porque os clientes estavam tão frustrados. Levou umas duas semanas, mas eu me acostumei. Rotina me faz bem e eu gostava do fato de que na hora em que o trabalho acabava, eu não levava nada para casa e podia não me importar com nada que acontecesse quando eu não estivesse lá. Era ótimo. Só que eu também deixei claro o tempo inteiro, para meus chefes e colegas de trabalho, que não tinha interesse em crescer no Itaú e nem "vestir a camisa da empresa". Era um emprego temporário emergencial terceirizado de meio período sem vínculo empregatício que podia desistir de mim a qualquer minuto. Que camisa?

Eventualmente, não adiantou muita coisa. No último dia 19 de agosto, eu fui demitida por WhatsApp de novo, por um funcionário de RH muito bem treinado para dizer nada com nada para pessoas menos perceptivas. Na agência, descobri que o motivo foi uma reclamação não específica. Eles já tinham avisado que se houvesse uma reclamação sequer junto à ouvidoria do banco sobre a gente, nós seriamos gentilmente removidos como um tumor benigno. O problema é que a reclamação que foi recebida não especificava qual das orientadoras de fila tinha sido grossa e mesmo que os gerentes soubessem que não fui eu, era melhor substituir a parte substituível do que arriscar outra reclamação daquelas. As duas saíram. Então mesmo que eu tenha passado meu último dia treinando as pessoas que iam me substituir e tenha ouvido que "Giulia é ótima!", no dia seguinte eu estava de volta à vida de freelancer.

Eu tenho tentado me manter calma diante desses vais-e-vens da vida. Eu sei que assim como eu posso ser demitida de um dia para o outro, eu posso conseguir um emprego de um dia para o outro. Mas eu acho que o medo de chegar no trabalho um dia e descobrir que estou sem emprego de novo vai me perseguir pelo resto da minha vida. Ou pelo menos pelos próximos 5 anos. Meu corpo poderia aprender que a vida é incerta e simplesmente abraçar as mudanças constantes, mas eu tenho ansiedade desde que eu tinha 9 anos, meu corpo está acostumado a surtar e ter crises. A calma não vem naturalmente.

Então, você deve se perguntar: Qual é o plano? Eu sei que não sou a única, mas eu tenho me sentido muito estranha em relação a fazer planos no momento. Eu tinha vários planos para 2020, mesmo tendo perdido o emprego logo no dia 3, porque eu sou a rainha dos Planos B: Eu iria fazer o curso de doula, ia ser jurada voluntária, ia dar aula de escrita criativa, ia participar da Bienal do Livro de Salvador como autora, eu até mesmo tinha planejado abrir um pequeno negócio e já tinha pesquisado aluguel de sala comercial na minha galeria preferida. E mesmo depois da pandemia, eu decidi criar cursos online, eu ia fazer vários eventos, eu ia, eu ia, eu ia. Os planos tem sido destroçados constantemente em 2020. Eu não quero fazer planos, eu quero fazer coisas. Planejar é muito abstrato e todos os aspectos da minha vida são abstratas no momento. Eu quero a concretude de realizar, não o sonho do planejar. A fluidez dos planos escorre pela concretude das coisas que eu construí este ano, apesar de tudo e talvez por causa de tudo. E aqui vai algo concreto:


Tendo passado muito tempo deste ano sentindo pena de mim mesma, eu me surpreendi muito com o poder da comunidade online que eu construí nos últimos 10 anos. O Set List (meu blog musical em inglês no Patreon) foi o único dos meus planos para 2020 que deu certo e de certa forma, é uma fonte de renda e uma renda maior maior do que 90% dos freelas que eu consigo (a alta do dólar serviu pra algo). Recentemente eu precisei de dinheiro para completar o pagamento do cartão de crédito e pedi ajuda pelo Ko-Fi e rapidamente as pessoas completaram o valor. Eu acho que eu posso oficialmente cruzar a linha que me define como criadora de conteúdo e aceitar o fato de que as pessoas querem acompanhar meu conteúdo e me apoiar. Foi por isso que eu decidi colocar o Quebrei a máquina de escrever no Catarse Assinaturas.

A ideia da assinatura é oferecer conteúdo extra para quem sempre acompanhou o blog. Os apoios começam com R$5 por mês e os posts vão sair antecipadamente para os assinantes (entre um dia e duas horas antes), vai ter conteúdo extra de "atrás das câmeras" (amanhã mesmo sai post especial com uma cena de Mirae, o livro que eu escrevi no NaNoWriMo 2017 e uma discussão sobre o NaNoWriMo 2020). Os apoiadores de R$10 ou mais vão receber uma cartinha de agradecimento em casa, com marcadores e cards e os de R$20 ou mais vão receber um kit exclusivo incluindo a famosíssima caneta do QaMdE (apenas 6 canetas disponíveis). Os apoiadores também vão poder responder às publicações diretamente por e-mail, sem precisar deixar comentários públicos e manter um canal de conversa especial dessa forma.

Eu sei que um comprometimento mensal pode ser difícil na atual conjectura do mundo, então na aba "Apoie" aqui do blog, você pode encontrar outras formas de me apoiar pontualmente e existem vários formatos disponíveis, inclusive links da Amazon onde você pode apoiar de graça e um QR do PicPay, onde você envia pagamentos facilmente pelo cartão de crédito ou só alguns centavos que sobraram do dia. Cada centavo ajuda, gente, vocês não fazem ideia (inclusive é por isso que eu tô viciada em cashback). Eu também vou atualizar a página Apoie do meu site em breve e reorganizar a loja de livros para que vocês possam comprar meus livros direto comigo.

Eu tenho trabalhado pra cacete nas últimas semanas para ser uma criadora de conteúdo de verdade a partir de agora. E por mais que eu saiba que muita gente vai ficar "Mas como? Você só posta sobre a Kira", eu quero que vocês saibam que a Kira é parte do processo todo. Somos um time agora, vadias. E não existe nenhuma outra pessoa com quem eu queira dominar o mundo. Saber que eu sou pelo menos uma pequena parte da razão pela qual o segundo EP dela chegou a 1 milhão de streams em 7 semanas (sim, eu vou me gabar disso pra sempre, É MINHA AMIGA ELA!!!!!!!) me mantém ciente do meu poder de mudar o mundo mesmo quando eu duvido de mim mesma o tempo todo.

Então é, é isso que tá acontecendo do lado de cá. E por aí? Sei que eu deixei os posts meio de lado no Instagram do blog, mas juro que essa semana eles voltam: segundas, quartas e sábado, sendo o de quarta resenhas diversas. E nos outros dias, quero postar no meu perfil pessoal, então sigam os dois. E tem playlist da semana nova no finalzinho dessa página. Vou tentar atualizar as playlists toda semana então confiram sempre!

Até a próxima,

G.