Eu me lembro do momento exato em que eu me convenci de que eu não precisava escrever sobre absolutamente tudo aqui no blog. Não me lembro do dia, o que é incomum para mim, mas sei que estava indo da biblioteca da faculdade para o estágio, também na faculdade, mas em prédios diferentes. Tinha pelo menos dois meses de posts acumulados que eu precisava terminar e publicar o quanto antes e eu não conseguia ver um momento, no futuro próximo ou distante, onde eu conseguiria tempo para escrever tudo que eu queria escrever. Enquanto eu cruzava a quadra aberta da faculdade, eu me lembro de pensar "E quem foi que disse que eu preciso escrever sobre isso?". Eu me dei conta de que o contrato de compromisso que eu fiz com meus leitores tinha sido criado por mim mesma e enquanto eles não soubessem o que eu queria escrever, eu não estava quebrando promessa nenhuma ou compromisso nenhum. Também pensei que algumas coisas podiam ser só minhas e nem tudo precisava ser compartilhado com o mundo.

Naquele momento, o pensamento me pareceu libertador. Eu finalmente estava livre do compromisso e podia fazer as coisas do jeito que eu queria. E fazia sentido. Afinal de contas, eu precisava continuar encontrando o prazer na escrita e transformar o blog em uma obrigação me tirava esse prazer, certo? O que eu não entendia na época e só estou começando a entender agora, talvez, é que eu estava sim, quebrando um compromisso, comigo mesma. E que eu estava me livrando de algo que foi extremamente formativo para a pessoa que eu ainda nem terminei de me tornar. Existia um compromisso: Um compromisso que me obrigava a sentar diante do teclado e processar o que eu estava vivendo para transformar em algo concreto.

Eu não consigo me lembrar por que eu comecei esse blog. As coisas eram tão diferentes em 2011, sabe? As pessoas simplesmente tinham blogs e criavam pequenas comunidades com seus blogs. Além disso, eu tinha 13 anos mal completados e quando você tem 13 anos você não sabe porque faz o que faz, só sabe que precisa fazer e precisa fazer agora (acreditem, eu sou o mais perto que você chega de especialista sobre como pré-adolescentes agem sem fazer faculdade na área). Mas eu sabia que eu precisava escrever e eu queria postar. Então eu fazia os dois. E enquanto a comunidade do blog crescia, a necessidade de escrever muito e de melhorar crescia, até que se tornou um pacto. As pessoas se acostumaram com meu ritmo ou com a falta dele e com a forma como eu me cobrava pelo tempo perdido. Eu precisava escrever. Precisava. E a necessidade me tornava mais profissional, mas também me tornava mais humana.

Esse blog passou por muita coisa nesses 9 anos e meio — em 2011 era normal ter blog sem motivo algum, mas aos poucos o Tumblr, o Instagram e o YouTube tomavam conta do mundo. Eu me lembro de uma vez que eu levei bronca da minha mãe por ter sido grossa com a prima dela que sugeriu que eu criasse um canal do YouTube. Eu fui, sim, um pouco mal educada aos 15 anos, mas eu era uma escritora, construindo uma carreira, um legado. Não dava pra eu passar para o vídeo só porque vídeo era mais popular e lucrativo na época. Eu fui teimosa, mesmo quando todas as outras pessoas estavam migrando para os lugares mais populares. Mas eventualmente isso mudou... A depressão foi sobrepujada pela ansiedade e minha vontade de deixar um legado foi tomada pelo medo de não estar preparada para o dia de amanhã. Eu precisava sobreviver e um dia, quem sabe, eu fosse autorizada a contar a minha história.

Eu ainda estou tentando descobrir formas de me transformar em um produto rentável. Aliás, pelas cartas de rejeição na minha caixa de entrada e pelos emails que nem chegaram, fica claro que eu ainda não consigo sequer convencer os outros de que é possível me transformar em um produto rentável. Eu levei anos para me convencer a pedir ajuda e mesmo levar seis anos para encontrar a terapeuta certa não me ensinaram que para conseguir a ajuda, você precisa saber pleitear a si mesma. Meus movimentos de carreira em 2020 têm sido focados em saber me defender, me vender, me promover e é tão difícil quando você sequer sabe por quem está advogando.

Minha adolescência foi passada me agarrando ao máximo a quem eu era, enquanto eu descobria quem eu poderia ser. Eu agarrava qualquer sensação de identidade dentro de mim com as unhas e não deixava ela ir embora independente do que ela me impedisse de agarrar. Mas aí quando encarar essa identidade frente a frente ficou doloroso demais, eu simplesmente parei de olhar e quando alguém perguntava o que eu estava segurando, eu fazia descrições de memória, vagas demais para a visão real de um todo. E enquanto eu olhava para longe, o que eu carregava se tornava mais e mais pesado.

Não me entenda errado, é delicioso ter para onde fugir quando eu não quero lidar com ser todas as coisas que eu sou. Mas não é real. Se nós somos histórias que contamos para os outros, quando deixamos de contar nossas histórias, deixamos de ser. Eu tenho deixado as pessoas lerem os primeiros rascunhos de mim que foram publicados anos atrás, nunca terminando de escrever a obra completa. E eu tenho orgulho de todas as características que eu descobri gostar e absorver enquanto olhava para o outro lado, essas características são pedaços de histórias que eu li e se tornaram em um pedaço de mim. Mas quem eu sou ainda está preso nas minhas unhas e eu preciso olhar para ele, para ter certeza de que não o amassei demais.

Talvez minha firmeza em não largar a mim mesma acompanhada de uma necessidade profunda de ser vista pelas pessoas, seja um desses erros cósmicos que fazem com que a vida seja possível, mas simplesmente insustentável. Talvez eu nunca seja quem eu quero ser. Mas eu não tenho muita opção além de ser quem eu sou. E é melhor fazer isso do jeito que eu sempre fiz: traduzindo a mim mesma em palavras que apenas refletem um fundo de sentido.

Bem-vindos de volta. Eu espero que vocês gostem da vista,

G.