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Quando eu me sento na minha cadeira completamente torta — já ficou torta quando eu montei; um ano e meio depois, parece piorar a cada dia — e  encaro a página em branco do Blogger, me dou conta de que não me sinto mais como me sentia quando resolvi escrever este texto. Nem faz tanto tempo assim, mas meus sentimentos estão volúveis. A ideia original era a de fazer um vídeo para o novo quadro do meu canal do YouTube, onde eu me gravo fazendo alguma coisa e atualizando as pessoas sobre a minha vida ou anunciando algo. Mas na sexta-feira eu me dei conta de que estava exausta demais para gravar vídeos e queria voltar ao meu formato original.

Eu me sentia como se a minha própria essência estivesse derretendo: saindo de um estado sólido, palpável para um estado líquido e volátil de conceitos e ideias, impossível de segurar sem escorrer. Escrever, dessa forma, faz mais sentido. No texto, eu consigo colocar todo o líquido em um contêiner: alguns parágrafos de combinações diferentes, de caracteres que fazem algum sentido quando lidos em ordem. Diante da câmera, eu sou forçada a fazer o já faço todos os dias: colocar uma máscara, uma fantasia que não controla, mas esconde a enchente que escapa de mim. Vídeos não mostram a essência, mas o que eu quero mostrar: eu posso, até mesmo, remover as cenas de vazamentos, tapar buracos com pequenas ferramentas de edição do Capcut.

Mas a câmera não é a culpada da exaustão. Muito pelo contrário, a câmera se mostrou uma aliada. Uma importante ferramenta de resgate de memórias que eu ressignificaria negativamente se não pudesse registrar. O desafio de 30 vídeos curtos que criei para mim mesma em setembro e que ainda não consegui terminar, me ajudou a me ver de um jeito que espelho nenhum poderia reproduzir. A câmera te permite escolher o que você quer ver e o botão de publicar, o que você quer que os outros vejam.

Não, a exaustão vem de todas as coisas que eu não posso editar. De ser a Giulia que os outros interpretam e que os outros editam. Vem do trabalho: eu estou trabalhando em dois contratantes ao mesmo tempo. Um que quase me demitiu em agosto, antes de me trazer de volta para um projeto temporário. E um novo, sobre o qual eu pouco posso falar e do qual nem pretendo falar muito. No trabalho antigo, eu conheço as regras, as pessoas e sou tratada como especialista, o que me permite certo nível de confiança. No novo, eu pouco sei, muito aprendo. Passo boa parte do dia pesquisando, lendo, sanando dúvidas. Dois trabalhos, duas máscaras. E a troca delas precisa ocorrer de forma sincronizada.

O problema, querido leitor, não é ter que começar do zero, ter que aprender ou não me sentir mais especialista. Poucos meses atrás, eu me vi completamente entediada no meu trabalho antigo, graças à obviedade da rotina diário. Eu vejo esse novo trabalho como uma nova etapa da minha vida e do meu crescimento profissional e pessoal. O problema é conciliar essas duas versões de mim que precisam coexistir todos os dias. O problema é o medo de perder o timing de troca das máscaras e deixar de entregar o nível certo de dedicação e atenção para qualquer um dos projetos. O problema é errar, mas o problema também é querer acertar. Eu tenho medo de não me entregar o suficiente e acabar perdendo algo que poderia ser bom para mim, mas também tenho medo de me entregar demais, de me importar demais com algo para o qual eu não sou tão importante.

Mas não é um sentimento generalizado? Eu sinto que todo mundo tem sentido um pouquinho disso, especialmente nas últimas semanas. Crise climática, sabe como é. Será que alguma coisa vale a pena? Será que vale a pena se importar com qualquer coisa? Eu não sou pessimista ou niilista, de forma alguma, mas eu também não quero gastar o pouco tempo que tenho na Terra com as coisas erradas. Desde o começo do ano eu falo sobre escolhas conscientes. Sobre me mover e tomar passos certeiros, na direção de algo. Na direção do que eu quero e do que quero ser. E eu não deixo só no discurso, minhas escolhas têm sido pensadas dessa forma. Mas será que estou me movendo na velocidade certa? Ou perdendo tempo em ruas que têm paradas demais?

O trabalho é só uma parte da vida. É fácil traçar essas linhas quando penso nos meus contratantes. Mais difícil quando penso na minha arte, no conteúdo que crio e nos textos que escrevo. Eu ainda sou vista como uma pessoa que compartilha demais na internet (levei até uma bronca bem intencionada recentemente), mesmo que eu tenha repensado muita coisa nos últimos anos. Compartilho só o que eu me sinto confortável em compartilhar, mas percebo que cada vez mais eu me sinto confortável com menos. Ao mesmo tempo, a noção de que eu posso transformar quase qualquer coisa em um vídeo, um texto ou uma publicação no Instagram têm me assombrado. A campanha de monetização bem sucedida do YouTube foi ao mesmo tempo uma benção (afinal, deu certo) e um castigo (eu quero, eu preciso, eu vou monetizar o que me acontece).

A pior parte é quando o resultado (seja monetário ou transcrito em engajamento) não é o que eu esperava e tudo que eu poderia ter feito de diferente começa a circular na minha cabeça. O que eu posso fazer melhor? O que eu preciso fazer em seguida? Como me recuperar? O número de perguntas e medos me paralisa e me impede. Alimentando um sistema de autossabotagem que fica mais forte. Eu me importo demais, mas como eu sou a única pessoa que fica decepcionada nessa história, eu acabo não colocando tudo de mim no que eu posso fazer por mim mesma.

Todos os vídeos gravados e não editados. Todos os tweets e publicações não agendadas. O site fora do ar há meses, que eu ainda pago todo mês, porque ai de mim se eu perder essa URL. Eu sei que eu sou uma pessoa só, que está dando o seu melhor com as 24 horas que tem em um dia. Eu sei que estou fazendo o possível para sobreviver, mas às vezes eu sinto falta de mim. É difícil me perdoar por todas as vezes que eu não me priorizei. Que eu não priorizei meus sonhos e o que eu quero, quem eu quero ser. 

Quem eu quero ser? Escritora, mas isso é impossível não ser. Mãe, um dia, daqui a uns 10 anos, talvez. Se ainda tiver planeta. Criadora de conteúdo, definitivamente. Eu sou feliz quando eu crio, publico e divulgo meu conteúdo, qualquer que seja. E eu quero viver experiências a partir desse universo que eu comecei eu mesma. Eu gosto da liberdade de não precisar me limitar e usar minhas próprias hiperfixações ao meu favor. Mas primeiro, eu quero ser alguém sem medo. Sem tanto medo de mim mesma. Da minha habilidade de pagar as contas no fim do mês, me sustentar, me alimentar o bastante, tomar as decisões certas. Por mais que esse medo financeiro seja uma das bases do sistema capitalista, também sei que meu medo tem particularidades próprias, porque vem carregado de uma culpa que eu atiro em mim, como uma bala. Começo meus dias com essa ferida aberta.

Hoje, antes de dormir, eu vou enfiar minha cabeça no travesseiro e voltar ao universo imaginário onde eu sou todas as coisas que eu quero ser, porque não tenho os limites que me impedem aqui. Um universo imaginário tão profundo que possui até mesmo lembranças que só existem lá. É o que eu faço todas as noites, em uma tentativa de satisfazer o que quer que eu sinta faltando em mim. Essa fuga, tão essencial ao meu processo criativo, me resguarda, ao mesmo tempo que me cega. Faz com que a minha vida, real, neste universo pareça vazia, quando, na verdade, ela não é. Faz com que eu sinta que quem eu sou de verdade não é suficiente, quando, na verdade, eu sou tão poderosa que eu crio universos.

No fim das contas, o medo e a incerteza é parte da vida. Eu prefiro sentir medo do que ficar entediada. E pensem comigo, existe um movimento cultural inteiro que consiste em causar medo; o gênero de terror e todos os seus desdobramentos. Medo é autopreservação. O mais importante é continuar dando os passos em direção ao que eu quero. Contanto que eu continue a andar, eu vou chegar lá, mesmo que leve um pouco mais de tempo.

G.

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